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15/09/2014 
 
Roda de conversa
A casa abandonada há quatro anos é habitada apenas por morcegos e maribondos. Na propriedade que pertence à família do seu esposo, Diva Gomes se surpreende ao ver o estado de deterioração do 
prédio onde um dia residiu. “É triste ver isso. Criei as minhas seis filhas aqui”, relata comovida após retornar ao local tanto tempo depois. Diva é nora de Sebastião Gomes da Silva e a casa abandonada faz parte de uma propriedade que já teve 135 hectares, mas que há quatro anos teve parte das suas terras vendidas. O abandono da residência e a diminuição do tamanho da fazenda foram motivados por razões que ainda hoje são difíceis de serem faladas pelos proprietários.
 
No local funcionou o lugar de onde são relatados alguns dos mais cruéis casos de tortura da Guerrilha do Araguaia: a base de Xambioá. A instalação de tropas do exército em barracas de campanha no terreno, na década de 70, surpreendeu aos proprietários na época. “Meus sogros dormiram e acordaram no dia seguinte com o exército instalado no local”, conta Diva. A área era conhecida pelos moradores da região como “casa da judiaria” e para os donos do local, as marcas das ações cruéis da Ditadura não foram capazes de serem apagadas com o tempo. O que motivou a venda de parte das terras. Apenas o pequeno terreno onde a base foi montada há mais de 40 anos foi negociado.
 
Atanásio Gomes, esposo de Diva, sofre até hoje as consequências da vivência com a violência que assolou a região e a sua família tão de perto. Quando relata o drama sofrido naquela época, ele chora. “Até hoje, se um helicóptero aparece por aqui, eu adoeço”, lamenta. 
 
A história da família de Atanásio não é única. Vários camponeses na região conviveram durante os anos de 1971 e 1974 com a ameaça constante das forças repressivas do exército brasileiro, que através de torturas e outros tipos de violência criou um clima de medo ainda presente na região. 
 
Diva retorna a casa abandonada
Algumas dessas histórias foram compartilhadas no sábado (13/09), numa roda de conversa realizada na cidade de Xambioá (TO) e teve a participação de membros da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e da equipe que está trabalhando no Grupo de Trabalho Araguaia. A atividade faz parte das atividades de memória que estão sendo realizadas na região e tem o objetivo de resgatar a história da Guerrilha entre os moradores e aqueles que viveram esse período.
 
Antonio Precatão faz parte da Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia e foi um dos participantes da roda de conversa. Ele que foi vizinho da guerrilheira Dinalva Oliveira Teixeira, cujo codinome na guerrilha era Dina, conta que além de torturado, também foi obrigado pelos militares a colocar fogo na casa da vizinha, que havia fugido no dia anterior. “Sofremos muito naquela época”, relembra.
 
Vários são os relatos que corroboram com a fala de Precatão. Camponeses contam que foram jogados em valas cheias de cobras e que foram forçados a praticar atos de violência até piores que o incêndio que Antonio Precatão relatou. “Há o caso de um senhor que se tornou alcóolatra por ter sido obrigado a degolar o seu próprio pai”, conta Antonio.
 
“A ação do Exército nessa região foi uma violência contra toda a população local, não apenas contra os guerrilheiros. Quando fazemos uma atividade como essa, reativamos a verdade e a memória sobre tudo isso”, analisa o coordenador-geral da CEMDP, Rafael Schincariol.
 
Ao longo do período da expedição, que se encerra no dia 24/09, mais atividades de memória serão realizadas. Serão exibidos documentários para a população local, que narram a história sobre o período. Atividades serão realizadas também com estudantes da cidade de Xambioá (TO) no decorrer da semana.
 
Base de Xambioá
A base de Xambioá foi montada de maneira provisória no começo da década de 70. Na época, tropas do exército se instalaram em barracas de campanha no terreno e utilizaram a base como local para tortura de vários camponeses e militantes políticos.
 
Escavações têm sido feitas na área desde 2009. Apenas a partir de 2012, através da metodologia de malha sistemática geométrica, uma técnica utilizada pelos arqueólogos para entender a dispersão de materiais no terreno e entender a circulação no ambiente, foi possível encontrar cerca de 20 concavidades no terreno, ocupadas por lixos descartados da época, como restos de camas de campanha, botas, material médico-hospitalar, cartuchos de bala entre outros. 
 
Há suspeitas de que o guerrilheiro Osvaldo Orlando da Costa, um dos líderes da guerrilha do Araguaia, conhecido pelo codinome de Osvaldão, tenha sido enterrado na área. 
 
Além da área da base de Xambioá, já foram feitas escavações também no cemitério de Xambioá, onde foram encontradas as ossadas de Maria Lúcia Petit e Bergson Gurjão, ainda na década de 90. No Grupo de Trabalho Tocantins em 2010, foi exumada 1 ossada e mais 10 foram exumadas a partir do trabalho do Grupo de Trabalho do Araguaia nos anos de 2011 a 2013. Juntamente com os corpos exumados em outras localidades, somam-se 27 corpos exumados que aguardam o processo de identificação para averiguar se correspondem aos restos mortais de algum dos 62 guerrilheiros desaparecidos ou camponeses do Araguaia.

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