12/09/2014
Um debate na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), na cidade de Marabá (PA), deu início ontem às atividades da expedição ao Araguaia, que está sendo realizada pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, com a participação do Ministério Público Federal, do Ministério da Justiça e do Ministério da Defesa. As atividades fazem parte da retomada dos trabalhos do Grupo de Trabalho Araguaia (GTA), que teve a sua última expedição em 2013 e desde 2011 tem realizado buscas pelos restos mortais dos mortos e desaparecidos políticos, vítimas das forças de repressão da Ditadura-militar, no episódio ocorrido na década de 70, conhecido como Guerrilha do Araguaia. Ainda antes das expedições realizadas pelo GTA, em 2011, desde a década de 80 os familiares dos mortos e desaparecidos realizaram expedições na região. Na década de 90 foram encontrados os restos mortais de Maria Lúcia Petit e de Bergson Gurjão no cemitério de Xambioá, restando ainda 62 desaparecidos com destino desconhecido.
A plateia, formada em sua maioria por estudantes universitários, teve a oportunidade de ouvir sobre as técnicas de escavação arqueológicas utilizadas para a pesquisa e exumação dos restos mortais encontrados, além de saberem um pouco mais sobre a importância dessa atividade para o resgate histórico do período da ditadura na região.
“Essa iniciativa é importante porque reconhece a universidade como um vetor fundamental para resgatar essa história e revelar os heróis da luta pela democracia no Brasil”, defende Paulo Fonteles, membro da recém-criada Comissão Estadual da Verdade do Pará.
Para Fonteles, o caminho da busca pela verdade histórica do período não é simples, mas em sua opinião, é uma marcha sem volta. “Temos que punir os responsáveis e também conhecer mais sobre a história dos camponeses e índios da ditadura”. Ele conta que ouviu o depoimento de um ex-soldado que afirma que mais de 300 camponeses foram assassinados durante o período na região. Investigar mais episódios como esses é um dos objetivos da Comissão da Verdade do Pará. “Temos a missão histórica de falar das vítimas invisíveis da ditadura: os índios e camponeses”, defende.
Fonteles reivindicou também o reconhecimento de alguns lugares conhecidos como locais de violações de direitos humanos e de tortura como forma de resgate histórico. “A Casa Azul, parece que será reconhecida pela Comissão Nacional da Verdade, mas existem outros locais que precisam ser lembrados também, como a Base de Xambioá, que era conhecida pelos camponeses como ‘casa da judiaria’”, relembra.
Para o coordenador-geral da CEMDP, Rafael Schincariol, esse resgate histórico é importante e abre a possibilidade de reabrir os prazos para serem adicionados novos nomes à lista de mortos e desaparecidos políticos do governo brasileiro, que hoje reconhece um total de apenas 362 vítimas. “Estamos tentando ampliar o leque e o conceito de desaparecidos políticos na retomada dos trabalhos de reconhecimento das ossadas da vala clandestina de Perus. Para que não sejam apenas nomes de militantes políticos, mas também indigentes e outras pessoas que foram vítimas da ditadura e enterrados no local”, explica. Schincariol também acredita que os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV) devem ampliar a lista oficial do governo. “A CNV tem que reconhecer os camponeses e outros desaparecidos políticos. Não ficar apenas nos nomes oficiais”.
O público presente também participou das discussões e apontou que alguns dos problemas enfrentados no período da Ditadura na região ainda continuam presentes na realidade local, como o medo que alguns camponeses têm de falar sobre o período, a presença ainda marcante de agentes estatais que participaram da política de repressão na Ditadura Civil-militar e a possibilidade da construção de uma usina hidrelétrica na região, que pode alagar algumas das áreas de buscas por desaparecidos. “Vocês agora vão fazer buscas subaquáticas?”, questionou uma das participantes.
A expedição
A expedição que teve início hoje (11/09) será desenvolvida em três eixos de trabalho: a execução de ações de memória sobre a Ditatura Civil-Militar brasileira; a elaboração de diagnóstico, prospecção e escavação arqueológica no topo e na base do Morro do Urutu, localizado na Serra das Andorinhas e a realização de novas oitivas a partir dos relatórios individuais sobre os guerrilheiros.
Entre as ações de memória realizadas na região, há uma exposição composta por 21 banners que trazem fotos e informações sobre fatos importantes do período e que no momento está exposta na UNIFESSPA, na cidade de Marabá (PA). Haverá também a exibição do documentário “Verdade 12.528” para os moradores das cidades de Xambioá (TO) e São Geraldo do Araguaia (PA).
Já as buscas dos restos mortais dos desaparecidos políticos será realizada por uma equipe de 7 arqueólogos e mais técnicos peritos do Ministério da Justiça. O diferencial da expedição desse ano em relação às anteriores é que com mudança recente da Portaria que regula o GTA, a coordenação das ações que antes era dividida entre o Ministério da Justiça, o Ministério da Defesa e a Secretaria de Direitos Humanos, agora está a cargo apenas da Secretaria de Direitos Humanos, atendendo uma reivindicação antiga dos familiares dos desaparecidos políticos.
O arqueólogo Rafael Souza, que já participou de quatro expedições na região, acredita também que essa campanha permitirá buscas mais qualificadas, porque dará continuidade aos trabalhos de escavações já iniciados no topo do morro do Urutu, no ano passado. Localizado na Serra das Andorinhas, em Xambioá (TO), o topo do morro do Urutu é suspeito de ter abrigado uma base militar. Além do topo do morro, por decisão judicial, pela primeira vez será examinada também a base do mesmo morro. Relatos de moradores locais apontam que pessoas teriam sido jogadas nesse precipício.
“É importante entendermos o contexto e a maneira como se deram as estratégias repressivas. Isso facilita os trabalhos de busca dos desaparecidos”, analisa Rafael Souza.
Já o trabalho de investigação e pesquisa dessa vez está a cargo do servidor da SDH, Fernando Souza, que durante 12 dias percorrerá a região próxima à Marabá para fazer oitivas com moradores e militares circunscritos da região. A sistematização das entrevistas e informações de buscas realizadas em expedições anteriores, que está sendo feita desde o começo do ano pela equipe de pesquisadores formada pelas cientistas sociais Bárbara Barboza e Marcelle Abazzio e pelo advogado Jailson Tenório, tem colaborado para o novo direcionamento que está sendo dado às investigações desse ano, que tem priorizado a busca de informações ainda não compiladas.
A expedição será encerrada no dia 24 de setembro. A partir das informações colhidas será proposto um plano de ação para as expedições do próximo ano.