13-05-2014
Os indígenas da etnia Aikewara, também conhecidos como Surui do Pará, foram recebidos hoje pela Comissão Nacional de Verdade (CNV). No encontro o grupo entregou um relatório produzido no ano passado sobre as graves violações de direitos humanos a que foram submetidos durante a ditadura civil-militar. O documento aponta que eles foram forçados a orientar as forças de repressão na mata em ações de perseguição aos militantes da Guerrilha do Araguaia, ocorrida no começo da década de 1970, no sudeste do Pará.
Maria Rita Kehl, Conselheira da CNV responsável por apurar as violações de direitos humanos contra indígenas e camponeses, afirmou que essa violência não foi restrita aos Surui e também foi direcionada a outras etnias. Ela lembrou ainda que os índios não foram vítimas somente de violência física.
“O que se permitiu que se fizesse nas terras indígenas em favor de fazendeiros, em favor de interesses privados vai estar no relatório final da CNV como violação do direito. Muitas das epidemias que aconteciam com os índios ocorreram por conta do contato não programado do branco com o índio”, afirmou.
Ela citou ainda a perda da terra como outra violência sofrida pelos indígenas no período. “Tirar a terra de uma etnia é indiretamente matar a população que lá vive. Não está matando com o revólver, mas está tirando as condições de sobrevivência porque esse é o local onde eles praticam todo seu modo de vida”, disse Maria Rita Kehl.
“A perda da cultura nós estamos considerando como etnocídio. Não é genocídio no sentido de você exterminar todos os índios, mas de tentar exterminar várias culturas riquíssimas”, concluiu a Conselheira da CNV.
Anistia
Os Surui também apresentaram pedido de anistia coletiva na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Caso aprovado, essa será a primeira anistia coletiva da história do país já que até então os pedidos foram feitos de maneira individual. Maria Rita Kehl reafirmou durante o encontro seu apoio para que os direitos dos índios sejam reconhecidos.
Ela reiterou que a decisão não depende da Comissão Nacional da Verdade, mas afirmou que agora que está em posse do relatório dos Surui poderá produzir um parecer favorável que será encaminhado a Comissão de Anistia. “Eu acho justo caminhar o processo de anistia coletiva. Agora de posse do relatório feito por eles eu posso produzir um parecer”, afirmou.
Relatório
O relatório foi produzido pelos próprios Surui em parceria com a antropóloga Iara Ferraz que há 20 anos convive com a etnia. Ela colheu os depoimentos de maneira detalhada no ano passado. De acordo com o relatório, entre 1972 e 1974, a etnia teve seu território totalmente ocupado pelas forças do Estado sendo impedidos de fazer a roça, coleta, pesca e caça.
Ainda segundo o documento, as provisões de arroz e milho que estavam estocadas foram incendiadas, assim como algumas casas da aldeia. Os homens adultos foram obrigados a guiar soldados do exército mata adentro na busca pelos guerrilheiros. No trajeto sofreram com fome, sede, dormiam ao relento sofrendo com a chuva e ainda carregavam as cargas pesadas para os militares.
"As mulheres ficaram sozinhas com os idosos e as crianças na aldeia, vigiados pelo Exército. Se ouviam os tiros e eu me assustava", contou Teriwera durante a reunião. Ela estava grávida de gêmeos e perdeu os bebês. "Acho que foi dos sustos, porque eu nunca perdi meninos", afirmou. Segundo ela, os Aikewara também passaram muita fome, pois não podiam colher ou caçar.
Segundo Winorru Suruí, a ocupação da aldeia pelo Exército, além das consequências imediatas relatadas pelos anciãos, resultou em duas sequelas: invasão e perda do território. "Após a guerrilha teve Serra Pelada e, depois do garimpo, os migrantes ficaram por lá e muita gente entrou na nossa terra. No nosso atual território não temos mais acesso ao barro e perdemos a cultura da cerâmica", contou.
Sobre a Comissão de Mortos e Desparecidos Políticos
A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos foi criada pela Lei 9.140/1995, com os objetivos de promover a busca de informações e a construção de instrumentos que permitam a elucidação de violações contra os direitos humanos ocorrida durante a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), proceder ao reconhecimento e reparação de pessoas mortas ou desaparecidas e promover a localização, a identificação e a devolução dos seus restos mortais aos familiares.
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