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12-05-2014 

 

Iara Lobo Figueiredo mostra uma foto. Na imagem uma mulher grávida segura uma criança no colo. Ela aponta para a barriga e explica “Sou eu”. “A menina no colo é minha irmã mais velha, Isabel”. Esse é o único registro fotográfico que tem com a sua mãe, Maria Regina Lobo Leite Figueiredo morta em 1972 por agentes do Estado no episódio conhecido como “chacina do Quintino”. Um ano antes perdeu seu pai, Raimundo Gonçalves Figueiredo, que também foi vitimado pela repressão durante a ditadura militar.

 

Iara tinha apenas três anos quando sua mãe morreu e sua irmã Isabel, quatro. O cheiro e a voz de Maria Regina são as lembranças mais presentes em sua memória. “Ela costumava cantar muito para mim quando eu era criança, por isso eu lembro muito da voz dela. Também não me esqueço do seu cheiro”, lembrou Iara, emocionada.  


Maria Regina Lobo, grávida de Iara, segura Isabel no colo 
Muitas de suas memórias com a mãe são baseadas em relatos de sua irmã mais velha e de amigos e familiares. “Tudo o que eu lembro com relação a minha mãe é o que o aconteceu. Por mais que tenha sido ‘implantado’ por outras pessoas. Eu me lembro dela ser extremamente carinhosa”, diz Iara. 

“Até hoje descubro coisas da minha mãe. Tanto é que quando vou a qualquer reunião eu fico de olho nos cabelos brancos e já vou logo perguntando: você conheceu minha mãe, meu pai? Qualquer coisa que falem para mim já uma coisa fundamental. Pode ser coisa simples, banal.
 
Onde meus pais se conheceram, onde começou o namoro, como foi o primeiro beijo, como que ela se relacionava com os amigos. Eu fui descobrindo isso no decorrer da vida”. De história de sua mãe guarda algumas cartas trocadas entre ela e suas tias. Outra recordação que tem é a gravação de Maria Regina cantando em uma feijoada com amigos que contou com a presença de João do Vale. No áudio, ela canta a música “Maria do Maranhão”. 
 
“Quando eu comecei a fazer movimento estudantil minha irmã mais velha (Isabel) tinha uma grande amiga que chamava Raquel Padilha que estava sempre em casa. Em uma das reuniões, a Isabel não foi e comecei a contar para a Raquel o que estava descobrindo sobre meus pais. Ela me disse que os pais delas também tiveram envolvimento militante nesse período. Quando chegou em sua casa ela contou para os pais a história e descobrimos que eles foram padrinhos de casamento dos meus pais”.

O pai de Raquel, Romeu Padilha, pede então que a filha chame Isabel e Iara para sua casa e começa a vasculhar em seus arquivos onde encontra a gravação de sua mãe cantando. As irmãs descobriram ainda que quando da morte de Raimundo, os padrinhos de seus pais começaram a procurar as meninas para adotá-las. “Eles queriam nos adotar e descobriram que nós convivíamos com sua filha há uns 3 anos”.
 
Iara e Isabel foram criadas por uma tia, Maria Alice que além das duas sobrinhas criou outros quatro filhos. Maria Regina visitava com frequência a casa para ver suas filhas. “Normalmente ela chegava disfarçada, com uma peruca. Eu ficava um pouco assustada, mas quando ela tirava a peruca e eu a reconhecia ficava muito feliz”, lembra Iara.
 
Apesar de ter convivido pouco com a sua mãe, Iara tem intensa admiração pelo que ela fez. “A grande lição que minha mãe deu para mim e para várias pessoas é você fazer o que você gosta com intensidade. Minha mãe viveu intensamente cada momento da sua vida.
 
Ela morreu muito nova, com 33 anos, mas tem gente que morre com 90 que não fez o que ela fez e não realiza o que ela realizou”.  “Ela nunca pensou só no umbigo dela, sempre pensou no grupo, no coletivo. Tanto ela quanto meu pai”.

“Eu nunca fiz uma homenagem nos dias das mães e o que queria dizer: Feliz dias das mães, mãe querida que eu sei que não era só minha e da minha irmã, era uma mãe de várias crianças. Obrigado minha mãe, obrigado minha mãe”.
 
Chacina do Quintino

Maria Regina nasceu no Rio de Janeiro, sendo a quinta de seis filhos de Álvaro Lobo, médico do Instituto Oswaldo Cruz e de Cecília Lisbôa, assistente social. Estudou até o ginásio no Colégio Sacre-Couer de Jesus e o científico nos colégios Resende e Aplicação da Faculdade Nacional de Filosofia. Formou-se em pedagogia na antiga Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (atual UFRJ) em 1960.

 

Foi integrante da Juventude Estudantil Católica (JEC) e da Juventude Universitária Católica (JUC) e desenvolveu longo trabalho como educadora na cidade de Morros, interior do Maranhão, por meio do Movimento de Educação de Base-MEB, apoiado pela Igreja Católica. Ali permaneceu entre dois e três anos, sendo transferida para Recife, onde conheceu Raimundo Gonçalves Figueiredo, com quem se casou em 1966, sendo então militantes da Ação Popular (AP).

Ela também militou na Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares) onde era a responsável pelo setor de imprensa da organização no Rio de Janeiro, que produzia o jornal União Operária. Depois de 41 anos, a verdade sobre as circunstâncias da sua morte, na chamada “chacina do Quintino” começa a aparecer.

A Comissão da Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV- RJ) realizou em outubro do ano passado uma audiência em parceria com a Comissão Nacional da Verdade (CNV) para ouvir familiares e amigos de Antônio Marcos Pinto de Oliveira, Maria Regina Lobo Leite de Figueiredo e Lígia Maria Salgado Nóbrega, mortos na ocasião.

Sobre a análise das fotos do IML e das certidões de óbito, a CEV-RJ contou com o apoio da Comissão Nacional da Verdade, que indicou dois peritos, Pedro Cunha e Mauro Yared, para acompanhar o caso. Eles afirmam que não foram encontrados nos laudos médicos qualquer vestígio de pólvora no corpo dos mortos. Os documentos já analisados também não apontam para a presença de armas no local. Os peritos concluíram que esses indícios mostram que houve uma ação unilateral dos agentes do estado.
 
Uma das provas mais contundentes de que as mortes foram resultados de execução e não de troca de tiros em "legítima defesa", como divulgado à época, foi a entrevista com o médico-legista Valdecir Tagliare. Ele revela que os corpos apresentavam esmagamento total das mãos e parte dos braços o que comprovaria os golpes causados por "armamento pesado". Ele contou ainda que o laudo enviado para a direção, como era o procedimento, foi adulterado.


Iara Lobo 
Sobre a Comissão de Mortos e Desparecidos Políticos
 
A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos foi criada pela Lei 9.140/1995, com os objetivos de promover a busca de informações e a construção de instrumentos que permitam a elucidação de violações contra os direitos humanos ocorrida durante a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), proceder ao reconhecimento e reparação de pessoas mortas ou desaparecidas e promover a localização, a identificação e a devolução dos seus restos mortais aos familiares.

 

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