Nome: ANTÔNIO RAYMUNDO DE LUCENA
Pai: José Lucena Sobrinho
Mãe: Ângela Fernandes Lima Lucena
Idade quando desaparecido:
Maranhense de Colinas, operário e feirante, morreu na cidade de Atibaia (SP), quando o sítio em que residia com a esposa e três filhos foi cercado pela polícia, em 20/02/1970. Lucena, desde muito jovem, aprendeu os ofícios de eletricista, pedreiro e mecânico, sendo que perdeu a visão do olho direito aos 12 anos. Aos 17 anos, já era mestre de oficina mecânica, além de acumular os cargos de apontador e encarregado de uma pequena estatal.
Depois de se casar com Damaris, sua companheira também na militância política, Lucena trabalhou como mestre de serraria. Em 1950, o casal se mudou para São Paulo e participou ativamente na campanha “O Petróleo é nosso”, nos anos seguintes. Trabalharam ambos como operários da Jafet, no bairro do Ipiranga, assumindo militância sindical como operários da indústria têxtil. Em 1954, ingressaram no PCB, militando nesse partido até 1964.
Em 1967 vincularam-se ao grupo de militantes que, no ano seguinte assumiria a denominação VPR. Documentos dos órgãos de segurança registram a participação de Antonio Raimundo em várias ações armadas desde o final de 1967, inclusive o roubo de 10 caixas de dinamite em Cajamar, na Grande São Paulo, no penúltimo dia daquele ano. Em 1969, o casal já vivia na clandestinidade com os filhos menores. Ariston, o filho mais velho, engajado na VPR antes de completar 18 anos, não mais morava com os pais e viria a ser preso em 1970, após ter conseguido escapar, com Lamarca, de um grande cerco militar no Vale do Ribeira, região de Registro, interior de São Paulo. Ariston chegou a ser condenado à pena capital, depois comutada em prisão perpétua e depois pena de 30 anos, pela participação na morte do tenente Alberto Mendes Junior, da PM de São Paulo, no Vale do Ribeira.
De acordo com os autos do processo na CEMDP, no dia 20 de fevereiro de 1970, por volta das 15 horas, a porta do sítio em Atibaia foi golpeada violentamente por agentes policiais. Segundo o relato de Damaris, Lucena dormia quando começaram a atirar de fora. Lucena tombou gravemente ferido e, logo em seguida, recebeu mais tiros. Ela sustenta que seu marido, já atingido, caíra ao lado do tanque, fora de casa, quando um último tiro foi disparado em sua têmpora, na presença dela e dos filhos.
Documentos do inquérito policial registram que na residência estariam armazenados fuzis FAL subtraídos por Lamarca do quartel de Qui- taúna. Lucena teria reagido com uma dessas armas, sendo morto nesse cerco o sargento Antônio Aparecido Ponce Nogueira, fato que tor- nava delicada a tomada de decisão na Comissão Especial. Damaris, os gêmeos de 9 anos e o caçula de 3 foram presos, sendo ela submetida a violentas torturas, antes de ser libertada, no mês seguinte, com as crianças, por ocasião do seqüestro do cônsul japonês em São Paulo, realizado pelo Comando Antônio Raimundo de Lucena, da VPR. Permaneceram banidos do Brasil até a Anistia de 1979. Lucena foi sepultado no Cemitério de Vila Formosa, na capital paulista. Em 1990, após a abertura da Vala de Perus, diversas escavações foram feitas, sem êxito, na tentativa de localizar seus restos mortais.
Apresentado o processo em 02/12/97 à CEMDP, o parecer inicial do relator foi pelo indeferimento, por considerar que a morte não tivera caráter político, nem fora comprovado o tiro de misericórdia referido pela esposa. Não tinham sido localizados, até então, o laudo ou a perícia de local, apesar das tentativas do relator. Houve pedido de vistas.
Mais tarde, foi localizada documentação na Delegacia de Polícia de Atibaia, bem como a íntegra do inquérito da morte de Lucena no STM. Luiz Francisco Carvalho Filho tomou o depoimento de Damaris, reproduzido em gravação anexada ao processo. A versão oficial, assinada por Alcides Singillo, do DOPS/SP, é de que a morte ocorreu por reagir à prisão, quando policiais averiguavam denúncia de que ali havia um carro furtado. O laudo de necropsia, assinado por Frederico Amaral e Orlando Brandão, se refere a nove tiros de entrada e um de saída. Nenhum na cabeça, como referido por Damaris e seus filhos.
Um novo parecer se baseou nos documentos localizados. Não há perícia de local ou fotos do corpo. Os depoimentos de policiais e mora- dores são contraditórios, em especial dos civis, alguns portando indícios de serem fantasiosos. O novo relatório na CEMDP levantou muitas dúvidas acerca da versão oficial e concluiu que era inverossímil. Na casa não havia empregada, não havia movimento de carros, não havia visitas. Também não havia carro roubado - a Kombi fora comprada legalmente. Lucena estava sendo procurado pelos órgãos de segurança. Sua foto, em cartazes ampliados, havia sido vista por Damaris nas redondezas de Atibaia. Damaris afirma que ele nunca saía de casa, que quase não mais enxergava, visto que vinha perdendo a visão também no outro olho.
O exame da foto de Lucena localizada no STM não permite identificar o tiro fatal na cabeça, descrito por Damaris e seus filhos, mas revela grandes edemas no nariz e no olho esquerdo, além de escoriações e um afundamento no meio da testa. Mais do que isso, permite ver as marcas de um tiro desfechado à queima-roupa junto ao coração. Apesar desses dados novos, o processo foi novamente indeferido.
Reapresentado após a ampliação dos critérios de abrangência da Lei no 9.140/95, o processo voltou à votação. O novo relator chamou a atenção para o fato de que a verdade não fora uma presença constante nos autos do inquérito instaurado, lembrando que o aparato cons- tituído para a operação somou todas ou praticamente todas as forças policiais da cidade, dando a entender que haveria ou poderia haver resistência. Lembrou ainda que o Conselho Regional de Medicina censurou publicamente o perito relator do laudo, pelas deficiências da peça e pela atitude do médico. É fato, diz o relator, que ocorreu o conflito armado com agentes da polícia militar, que vitimou fatalmente Lucena e um sargento, mas ressaltou que laudos foram falsificados, depoimentos foram fraudados em muitos momentos da crônica policial e judicial desse período, sendo possível que tenha ocorrido execução sumária.
A CEMDP considerou, ao final, que a verdade sobre a operação no Jardim das Cerejeiras, em Atibaia, ainda não estava totalmente esclarecida, mas o pedido de Damaris Lucena e seus filhos já estava plenamente amparado pelas disposições da Medida Provisória 176, que antecedeu a Lei no 10.875, em vigência no momento de julgamento do caso na Comissão Especial, sendo o requerimento aprovado por unanimidade.
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