Biografia
Dirigente do Partido Operário Revolucionário (trotskista), de linha posadista, Rui Osvaldo foi morto em São Paulo em 15/04/1972, por agentes do DOI-CODI/SP. A versão oficial divulgada pelas autoridades do regime militar, de que ele morreu em violento tiroteio com agentes policiais, foi prontamente repelida por qualquer pessoa informada sobre as diferentes orientações políticas existentes entre os grupos de esquerda no Brasil. O PORT era sabidamente adversário das ações de luta armada, seus militantes não utilizavam armamentos e os boletins do partido condenavam as organizações clandestinas que sustentavam a guerrilha urbana. Os agentes e analistas do próprio DOI-CODI sabiam muito bem disso e demonstraram, mais uma vez, o sentimento de completa impunidade de que gozavam, ao divulgar uma farsa que todos sabiam não conter qualquer verossimilhança.
Rui Osvaldo nasceu em Orleans (SC), filho de conceituada família na cidade, onde seu pai era exator federal. Cursou o primário no Grupo Escolar Costa Carneiro, em Orleans e o secundário no Colégio São Ludgero e Colégio Dehon, em Tubarão. Em 1964, graduou-se em Jornalismo e Sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.
Rui desenvolvia intensa atividade teórica, escrevia em jornais clandestinos, organizava grupos de estudos e debates, dava palestras sobre a situação nacional e os caminhos para a revolução brasileira, tornando-se conhecido intelectualmente pela defesa das idéias trotskistasposadistas.
Já tinha sido preso pelo Exército em 1964, em Porto Alegre. Mudou-se para São Paulo com o objetivo de organizar o PORT, do qual foi um dos principais dirigentes. Trabalhou em diversas empresas metalúrgicas, dentre elas a MWM e Chiarioni.
De acordo com a versão oficial, Rui “foi morto em tiroteio com agentes de segurança em 15/04/1972”. A requisição de exame registra o horário com precisão digna de nota: Rui Osvaldo faleceu às 00h01 e nesse exato minuto seu corpo foi encontrado à Rua general Salgado Santos, 25, no Parque São Lucas. O exame de necropsia, realizado no dia 16/04/1972, mais uma vez por Isaac Abramovitc e Antonio Valentini, descreve dois tiros: na face anterior do terço médio do antebraço direito, que saiu na face anterior, após fratura de dois ossos do antebraço e na face lateral do hemitorax direito, na linha axilar posterior na altura do nono espaço intercostal, que se alojou junto da região mamária esquerda – nenhum deles visível na única foto de seu corpo localizada no DOPS/SP. O laudo não registra as escoriações e hematomas perfeitamente visíveis na foto e indicativos de que sofrera torturas.
Depoimentos dos presos políticos Ayberê Ferreira de Sá e Almério Melquíades de Araújo na Justiça Militar, à época, denunciaram a morte de Rui no DOI-CODI/SP. Foi enterrado como indigente no Cemitério Dom Bosco, em Perus e, com os esforços de seu pai, acabou tendo os restos mortais trasladados para o jazigo da família, em Santa Catarina. Nessa ocasião, ainda sob o regime militar, a Câmara de Vereadores de Orleans votou a lei que deu o nome do jornalista a uma praça. Na mesma época, os formandos da primeira turma de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Catarina o escolheram como patrono.
Foi o pai quem encaminhou o requerimento à CEMDP, vindo a falecer em maio de 1996, poucos meses depois de ter sido votada a responsabilidade do Estado brasileiro na morte do filho, aprovada por unanimidade. Em outubro de 1995, por ocasião de cerimônia pela passagem dos 20 anos da morte de Vladimir Herzog, Osvaldo Pfützenreuter esteve presente em sua última homenagem pública ao filho, quando foi colocada uma placa com seu nome na Casa do Jornalista, em Florianópolis.
Em 16/5/1972, traumatizado com a violenta morte do filho, Osvaldo não se intimidou perante o clima de terror político imperante e escreveu ao então presidente Emílio Garrastazu Médici: “Há dias fui avisado de sua prisão pela polícia política, em circunstâncias nebulosas, pois nunca mais foi visto, estando pois desaparecido, desde que foi detido. Em São Paulo (...) dirigi-me à ‘OBAN’ e ao DOPS no dia 7 do corrente, onde me informaram: ‘Nada consta!’ ... Me dirigi novamente ao DOPS no dia 11, onde uma vez mais recebi uma resposta negativa e dali fui à OBAN, onde indignado e angustiado faço um pedido dramático e em alta voz que me dessem notícias de meu filho, que ao menos reconhecessem sua prisão e que me dissessem quando poderia estar com ele. Nada quebrou a frieza dos funcionários, nenhum deles, e todos sabiam da ‘via crucis’ em que havia se transformado minha vida, nenhum deles se dignou a dizer um `a`, uma orientação para localizá-lo, nada. Nenhum disse o que todos sabiam e que temiam e temem que seja público. Deste órgão (OBAN) me dirigi, numa última tentativa, ao IML, onde simplesmente me informaram que Ruy deu entrada (em linguagem clara, morreu) no dia 15 e no mesmo dia foi enterrado no Cemitério de Perus. A minhas perguntas responderam simplesmente: ‘Vá ao DOPS’. Para obter a autorização para retirar a certidão de óbito e a autorização para transportar o corpo para sua terra natal, um funcionário de nome Jair Romeu me deu um papel com o nome do delegado Dr. Tácito, do DOPS. No DOPS o Dr. Tácito me disse desconhecer o caso e que voltasse na próxima segunda-feira (dia 15). Na data indicada fui ao DOPS, o Dr. Tácito encaminhou-me ao Dr. Bueno, que me mostrou entre vários papéis a certidão de óbito e uma fotografia de meio corpo de meu filho depois de morto. Nesta foto aparecem duas nítidas manchas escuras. E se tomo a iniciativa de denunciar e usar todos os canais para castigar os responsáveis e conseguir dar a meu filho um enterro digno em sua terra natal, é para que amanhã outros pais não tenham que, amargurados e silenciosamente, enterrar seus filhos, como se fosse possível enterrar junto a seus corpos, suas idéias, suas lembranças e a força renovadora de sua juventude. Uma grande lição a vida me ensinou, e meu filho, mais do que ninguém, a lição da solidariedade humana”.
Cópias dessa carta foram remetidas aos líderes dos dois partidos no Senado e na Câmara, aos jornais, aos principais bispos da Igreja Católica, ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) e aos organismos de Direitos Humanos da ONU e da OEA. Foi lida da tribuna da Câmara dos Deputados pelo parlamentar oposicionista gaúcho Nadyr Rossetti, em 12/6/1972, sendo apoiado em apartes por outros representantes do MDB: Lysâneas Maciel, Marcos Freire, JG de Araújo Jorge e Jaison Barreto.