Biografia
Militantes da ALN que residiam na mesma casa no Rio de Janeiro, Ísis e Paulo César foram presos no dia 30/01/1972, pelo DOI-CODI/RJ. Seus nomes integram a lista de desaparecidos políticos anexa à Lei nº 9.140/95. Ísis nasceu e cresceu em São Paulo, iniciando os estudos no Grupo Estadual Pereira Barreto. Fez o ginasial no Colégio Estadual Presidente Roosevelt e o curso clássico no Colégio Santa Marcelina. Estudou piano e fez curso de pintura e escultura na Fundação Álvares Penteado. Falava inglês, que estudou na União Cultural Brasil-Estados Unidos, dominando também o francês e o espanhol. Trabalhou como secretária bilíngüe na Swift. Em 1965, iniciou o curso de Ciências Sociais na USP e passou a morar no CRUSP – o conjunto residencial da Universidade. Trabalhou no Cursinho do Grêmio da Faculdade de Filosofia e se casou, em 1967, com José Luiz Del Royo, também integrante da ALN na fase de sua fundação, e que foi eleito em 2006 senador na Itália. Isis freqüentou o curso de Ciências Sociais até o 3º ano e, segundo informações dos órgãos de segurança, esteve em Cuba participando de treinamento de guerrilha em 1969. Já separada de Del Royo, retornou clandestinamente ao Brasil e se estabeleceu no Rio de Janeiro a partir de meados de 1970. Carioca, Paulo César cursou o 1º grau na Escola Argentina e na Escola Marechal Trompovsky, em sua cidade natal. Fez o 2º grau no Ginásio Santo Antônio, em São João Del Rey e no Colégio Mello e Souza. Sua mãe contava, com orgulho, que o filho ganhou o primeiro prêmio num concurso literário promovido pela Prefeitura do Rio sobre o Dia das Mães, quando fizeram parte do júri Manuel Bandeira e Dinah Silveira de Queiroz.
Trabalhou no Banco do Brasil, onde entrou por concurso aos 16 anos. Depois de cumprir o serviço militar, foi trabalhar na agência Paranaguá. Em 1968, iniciou o curso de Ciências Econômicas, na antiga Universidade do Estado da Guanabara, hoje UERJ, passando a participar do Diretório Acadêmico e do Movimento Estudantil. Em 20/03/1969, foi preso pela primeira vez, pelo DOPS/RJ, para averiguações sobre essas atividades. Respondeu a vários processos, sendo absolvido em todos. Em 15 de novembro de 1971, desligou-se do Banco do Brasil e passou a atuar na clandestinidade. Filho do general Cristóvão Massa, e com outros três tios generais, Paulo era chamado pelos companheiros de “general”. Paulo continuava freqüentando a casa dos pais, onde esteve pela última vez um dia antes da prisão. Quatro dias depois, três policiais que se identificaram como sendo do DOPS revistaram a residência na busca de uma metralhadora. Levaram roupas do filho, o que constitui indício eloqüente de que ele se encontrava preso. Um deles entregou-lhes um cartão com o nome de Otávio K. Filho, pessoa que nunca mais conseguiram encontrar.
O general Massa recorreu aos seus colegas de farda, mas terminaria ouvindo de um deles a terrível frase: “esqueça o Paulo Massa”. Os pais não obedeceram e o procuraram incansavelmente. O general Massa se emocionou ao saber que o filho tinha o codinome de “general” e lembrava que, em 1º de abril de 1964, tinha se apresentado com ele no Palácio Guanabara, dispostos ambos a defender de armas na mão o regime militar. No dia 4 de fevereiro, Aurora Maria Nascimento Furtado, colega da USP e militante da ALN, que também seria morta sob torturas dez meses depois telefonou a Edmundo, pai de Ísis, avisando da prisão da amiga. “Ela corre perigo, tratem de localizá-la”, disse-lhes. E foi o que tentaram com persistência: impetraram cinco habeas-corpus através da advogada Eny Raimundo Moreira, todos negados. Foram a todas as unidades do Exército, Marinha e Aeronáutica do Rio de Janeiro e São Paulo onde imaginassem poder ter notícias de Ísis. Vasculharam os arquivos dos cemitérios do Rio de Janeiro, Caxias, Nilópolis, São João de Meriti, Nova Iguaçu, São Gonçalo. Sem falar das muitas cartas escritas com a letra miúda da mãe ao presidente da República, às autoridades civis e religiosas. Dezenas de pastas guardam os documentos da família na busca por Ísis. Trechos do depoimento de Felícia, que com mais de 90 anos ainda espera alguma notícia sobre o que aconteceu com a filha, retrata a luta dos familiares: “(...) Ísis mostrava-se segura e coerente com suas definições de vida. Este pareceu-nos ser o traço mais marcante de sua personalidade. Verificamos uma total coerência na sua maneira de pensar e agir. Em 16 de junho de 1970 Ísis foi morar no Rio de Janeiro. A princípio vinha, sempre, visitar-nos em São Paulo. Outras vezes, nós a encontrávamos no Rio, em lugares pré-combinados. Um dia, ao despedir- se ela disse: - Mãe, se alguma coisa me acontecer, uma companheira dará notícias para vocês. Eu fiquei muito nervosa com essa informação. No dia seguinte, conforme havíamos combinado, eu fui ao seu encontro. Esperei por várias horas, Ísis não apareceu. Nunca mais a vi. Em 22 de novembro de 1971 Ísis fez um telefonema para a casa de um vizinho, chamando-me. Disse não ter sido possível ir ao meu encontro, conforme havíamos combinado, mas que tudo estava bem com ela. Foi a última vez que ouvi sua voz (...). Eu estive por três vezes na Ilha das Flores, sem nada conseguir. Mas foi lá que conheci Lêda Medeiros, esposa de Jorge Medeiros. Lêda me falou ter conhecimento de uma família denominada ‘Massa’. Foi assim que eu cheguei até a família do Paulo César Botelho Massa, companheiro de Ísis, que teria sido preso antes da minha filha (...)”. Como ocorreu com muitos dos familiares de desaparecidos políticos, a família de Ísis foi envolvida em falsas informações para acreditar que a filha estava viva. Em 20/02/1974, um conhecido da família de Ísis, que trabalhava no DOPS, deu-lhes a informação de que uma guia turística que o acompanhara em viagem por Londres era brasileira, se chamava Íris e poderia ser a filha desaparecida. Mostrara a foto de Ísis a outros que participavam da excursão e todos achavam que, de fato, a guia poderia ser Ísis. Edmundo restabelecia-se de cirurgia cardíaca. Felícia viajou com o filho para Londres e lá encontrou a moça, de nome Íris - uma brasileira no exterior. O depoimento de Felícia demonstra sua luta e sua dor: “(...) Nós chegamos à triste conclusão que todas essas séries de desinformações serviam a um objetivo específico, que era de confundir-nos e fazer-nos reaver, a cada sinal, uma esperança. Cartas: foram escritas muitas. Eu as escrevia, com sacrifício, para poupar meu marido que havia sofrido um grave enfarte do miocárdio. Com o passar do tempo, fui vendo que os destinatários eram os mesmos, a quem as outras famílias de desaparecidos escreviam: Presidente da República, Ministros das três armas, Comandante do I e do II Exércitos, OAB, OEA, ONU, Anistia Internacional, Arcebispos do Rio de Janeiro e de São Paulo. Foram tantas as cartas e inúteis que não gosto de lembrar. Só não esquecerei uma em especial, pelo trabalho e pela satisfação que me deu. Nós, familiares dos presos políticos desaparecidos, pedíamos informações ao Governo, sobre o destino dos nossos parentes. Quando o Ministro da Justiça, através do líder José Bonifácio, vem de público enumerar uma série de delitos praticados por eles. Eu não me conformei com aquelas informações. Achei que era o fim de tudo. Nós queríamos saber o paradeiro deles e não o que eles haviam praticado. Escrevi uma carta de contestação. Mas, como publicar minha carta? A censura não respeitava nem o malote dos deputados. Não tive dúvidas. Fui pelo caminho mais longo, mas o que me pareceu seguro.
Viajei 20 horas até Brasília para entregar minha carta ao deputado Lisâneas Maciel. O deputado Lysâneas não se encontrava em Brasília, entreguei então a minha carta em mãos do deputado Fernando Lira. Mais 20 horas de volta. No meio do caminho, em uma parada de ônibus, comprei um jornal ‘O Estado de São Paulo’. Lá estava a minha carta publicada.
Valeu-me uma grande satisfação no momento. Mas foi só. Porque até hoje estou esperando saber o que eles fizeram com minha filha Ísis (...)”. Oficiosamente, Felícia e Edmundo souberam que Ísis esteve nos DOI-CODI do Rio de Janeiro e de São Paulo, que em março esteve hospitalizada com uma crise renal, que passou pela base aérea de Cumbica, pelo Cenimar e pelo Campo dos Afonsos. No dia 13/4/1972, a assistente social Maria do Carmo de Oliveira, lotada o Hospital da Marinha, no Rio, informou-lhe que Ísis estava presa na Ilha das Flores. Felícia estava acompanhada de Sônia, sua sobrinha. No dia seguinte, Maria do Carmo, Felícia e Sônia foram intimadas a comparecer ao I Exército, onde um coronel as recebeu com a notícia de que tudo não passava de um lamentável engano. Em matéria do jornal Folha de S. Paulo, em 28/1/1979, um general de destacada posição dentro dos órgãos de repressão confirmou a morte de Ísis e Paulo César, dentre outros 10 desaparecidos. No Arquivo do DOPS/PR, em uma gaveta com a identificação: “falecidos” foi encontrada a ficha de Ísis. A única prova concreta obtida em todos esses anos de busca foi dada pelo ex-médico Amílcar Lobo, que servia ao DOI-CODI/RJ e que reconheceu a foto de Ísis dentre os presos que lá atendeu, sem precisar a data, numa entrevista publicada pela IstoÉ de 8/4/1987. Os órgãos de segurança do regime militar acusavam a ambos de participação em ações armadas, inclusive do assalto à Casa de Saúde Dr. Eiras, já mencionado na apresentação do caso anterior, que resultou na morte de três vigilantes de segurança.