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ACERVO - MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS

Ficha descritiva: Sônia Maria de Moraes Angel Jones
 
Sônia Maria de Moraes Angel Jones

Nome: Sônia Maria de Moraes Angel Jones

Pai: João Luiz de Moraes

Mãe: Cléa Lopes de Moraes

Idade quando desaparecido:

Dôssie
.
Procedimento administrativo CEMDP
092/96
Nome
Sônia Maria de Moraes Angel Jones
Data de Nascimento
09/11/1946
Municipio de Nascimento
Santiago do Boqueirão (RS)
Status
Morto
Biografia

 

Antônio Carlos Bicalho Lana e Sônia Maria de Moraes Angel Jones – presos em novembro de 1973 – foram torturados até a morte e enterrados como indigentes no cemitério Dom Bosco, em Perus, na capital paulista. A versão oficial, divulgada no dia 30/11/1973, dizia que os dois militantes haviam morrido em tiroteio, na altura do nº 836 da avenida Pinedo, no bairro Santo Amaro, hoje Capela do Socorro.

 

A notícia publicada nos jornais não informava a morte de Sônia, mas de Esmeralda Siqueira de Aguiar. Seus pais, João e Cléa Moraes, a identificaram imediatamente porque conheciam o nome falso utilizado pela filha. Anos mais tarde, conseguiram reconstituir pelo menos parcialmente os fatos. Sônia e Lana haviam alugado um apartamento em São Vicente, litoral de São Paulo, em 15/11/1973. Esse apartamento passou a ser vigiado por agentes dos órgãos de segurança, que informaram aos funcionários do condomínio que ali moravam “dois terroristas muito perigosos”. A data exata da prisão nunca foi estabelecida, mas sabe-se que era de manhã quando Antônio Carlos e Sônia pegaram o ônibus da Empresa Zefir com destino a São Paulo. Vários agentes já estavam dentro do coletivo. Simultaneamente, nas imediações da agência de passagens do Canal 1, em São Vicente, encontravam-se outros policiais à espera de que os dois descessem para comprar as passagens, que não eram vendidas dentro do ônibus.

 

Os pais de Sônia, depois de muita procura, localizaram o bilheteiro do ônibus, Ozéas de Oliveira, e o motorista, Celso Pimenta, que presenciaram a prisão do casal. Segundo as testemunhas, Lana quis pagar as passagens, mas foi informado pelo motorista que o pagamento seria feito no guichê do Canal 1, onde ficava a agência. Quando lá chegaram, Lana desceu do ônibus e Sônia ficou. Cinco agentes esperavam dentro da agência e outros chegaram em vários carros. No guichê, Lana entrou em luta corporal com os policiais. Foi dominado a socos e pontapés, levando uma coronhada de fuzil na boca. Sônia, ao levantar-se do banco, foi agarrada e levou um pontapé nas costas. Saiu do ônibus algemada pelos pés e foi colocada em um Opala, enquanto Lana foi empurrado para outro carro. O depoimento de Ozéas foi tomado no final de 1979, na presença dos pais de Sônia, de Suzana Keniger Lisbôa, do ex-ministro da Justiça José Gregori e dos advogados Belisário dos Santos Junior e Luiz Eduardo Greenhalgh.

 

Há duas versões para a morte de Sônia. A primeira, do primo do pai dela, coronel Canrobert Lopes da Costa, ex-comandante do DOI-CODI de Brasília e amigo pessoal do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-CODI de São Paulo: “Depois de presa, do DOICODI/SP foi mandada para o DOI-CODI/RJ, onde foi torturada, estuprada com um cassetete e mandada de volta a São Paulo, já exangue, onde recebeu dois tiros”.

 

 A segunda, do ex-sargento Marival Dias Chaves do Canto, do DOI-CODI/SP, em entrevista concedida à revista Veja, em 18/11/1992. Segundo ele: “Antônio Carlos e Sônia foram presos no Canal 1, em Santos, onde não houve qualquer tiroteio, e nem ao menos um tiro, ‘apenas’ a violência dos agentes de segurança que conseguiram imobilizar o casal aos socos, pontapés e coronhadas. (...) Eles foram torturados e assassinados com tiros no tórax, cabeça e ouvido.(...) Foram levados para uma casa de tortura, na zona sul de São Paulo, onde ficaram de cinco a 10 dias até a morte, em 30 de novembro. Depois disso, seus corpos foram colocados à porta do DOI-CODI, para servir de exemplos, antes da montagem do teatrinho”.

 

Foram sepultados como indigentes no Cemitério de Perus, Sonia com nome falso. Ao final do Auto de Exibição e Apreensão do DOI-CODI, datado de 30/11/1973, porém, encontra-se a ressalva: “Em Tempo: Material encontrado em poder de Esmeralda Siqueira Aguiar, cujo nome verdadeiro é Sônia Maria Lopes de Moraes”. Tantas evidências não deixaram dúvidas entre os integrantes da CEMDP, que resolveram, por unanimidade, deferir os processos de Sônia e de Antônio Carlos.

 

Sônia Maria era gaúcha de Santiago do Boqueirão e filha de um oficial do Exército. Morava no Rio de Janeiro e trabalhava como professora de português quando se casou com Stuart Edgar Angel Jones, militante do MR-8 – mais tarde desaparecido e procurado incansavelmente pela mãe, a estilista Zuzu Angel, também morta. Em 01/05/1969, Sônia já tinha sido presa quando participava de manifestação de rua na Praça Tiradentes, sendo levada para o DOPS e, posteriormente, para o Presídio Feminino São Judas Tadeu. Sua libertação só aconteceu em 6 de agosto daquele ano.

 

Visada pelos órgãos de segurança depois desse episódio, teve de se manter na clandestinidade. Em maio de 1970 exilou-se na França, onde passou a estudar na Universidade de Vincennes. Para sustentar-se, lecionava português na Escola de Línguas Berlitz, em Paris. Ao saber da prisão e desaparecimento de Stuart, Sônia decidiu voltar ao Brasil e retomar a luta de resistência. Ingressou então na ALN e morou um tempo no Chile, onde trabalhava como fotógrafa. Posteriormente, em maio de 1973, retornou clandestinamente ao Brasil, estabelecendo-se em São Paulo e depois em São Vicente, já vivendo com Antônio Carlos.

 

Ao tomarem conhecimento da morte pelos jornais, os pais de Sônia foram para São Vicente. Encontraram no apartamento cinco agentes dos órgãos de segurança. O pai de Sônia foi esbofeteado e ameaçado de ser jogado do terceiro andar do prédio. Identificou-se como tenente-coronel e conseguiu ser libertado, com a promessa de permanecer em São Paulo, à disposição do II Exército.De volta ao Rio, conseguiu uma carta do general Décio Palmeiro Escobar, endereçada ao comandante do II Exército, para liberação do corpo. Ao apresentar-se em São Paulo, ficou detido por quatro dias. Solto, recebeu um recado: “Moraes, o general manda dizer que você está livre a partir deste momento. Deve regressar ao Rio, não contratar advogado, não falar nada para ninguém e aguardar o atestado de óbito de sua filha, que lhe será remetido pelo II Exército”.

 

Insistindo em ver o corpo de Sônia, soube que já estava enterrado. Ao requerer o atestado de óbito, recebeu o seguinte despacho: “Não cabe ao II Exército fornecer o atestado solicitado. No cartório de Registro Civil do 20º Sub Distrito-Jardim América/SP, foi registrado o óbito de Esmeralda Siqueira Aguiar, filha de Renato A. Aguiar e Lúcia Lima Aguiar. O requerente procure o cartório em causa, se assim o desejar”. Conseguiu obter o atestado de óbito através de processo na 1ª Vara de Registros Públicos, em março de 1980. Somente depois que Sônia passou a ser considerada oficialmente morta, a família teve permissão para transladar seus restos mortais para o Rio de Janeiro em 1981.

 

O corpo entregue como sendo de Sônia não apresentava os tiros na cabeça descritos. Na tentativa de apuração das reais circunstâncias de sua morte, a família entrou com processo contra Harry Shibata na Justiça Militar de São Paulo. Diligenciando o processo, o IML/RJ constatou em 1982 que os ossos entregues à família eram de um homem. Por determinação da juíza Sheila Bierrenbach, seis novas exumações foram realizadas no Cemitério de Perus, até obter-se um corpo que correspondia às características do cadáver que tinha sido necropsiado em 1973. Tornou-se impossível concluir se a necropsia foi feita ou não, uma vez que Harry Shibata declarou em depoimento à CPI da Câmara Municipal de São Paulo – responsável pela investigação sobre a Vala Clandestina do Cemitério de Perus – que a inexistência de corte no crânio de Sônia era irrelevante, pois descrever o corte era apenas uma questão de praxe.

 

O advogado José Luiz Sobral, amigo da família e do general Adir Fiúza de Castro, então comandante do DOI-CODI/RJ, ao procurar aquele general para esclarecer as circunstâncias da morte de Sônia, tornou-se portador de um inusitado presente seu para a família: um cassetete da Polícia do Exército, com a recomendação de que ficassem quietos. João Moraes guardava o presente como uma relíquia, achando que a crueldade dos porões do regime militar chegara ao ponto de ser aquele o instrumento que matara a filha. Depois de muito relutar em acreditar que a filha não fora morta no tiroteio informado pelos militares, João Moraes tornou-se uma liderança dentre os familiares de mortos e desaparecidos políticos, tendo sido presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ e a esposa Cléa secretária por muitos anos. Já falecido por ocasião da Lei nº 9.140/95, não presenciou o reconhecimento da responsabilidade do Estado pela morte da filha. Antes de morrer, publicou o livro que registra a história da vida e morte de sua filha, bem como a dolorosa peregrinação que ele e sua esposa realizaram na busca do corpo e do esclarecimento completo de sua morte sob torturas: “O calvário de Sônia – uma história de terror nos porões da ditadura”.

Local de morte/desaparecimento
São Paulo (SP)
Organização política ou atividade
Brasil. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.Direito à verdade e à memória: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos. 1ª Edição.Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007.
Data do Recolhimento da documentação física para o Arquivo Nacional
06/08/2009
Notação Arquivo Nacional
Publicação no DOU: 12/02/1996
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