Nome: Francisco Tenório Cerqueira Júnior
Pai: Francisco Tenório Cerqueira
Mãe: Alcinda Lourenço Cerqueira
Idade quando desaparecido:
Francisco Tenório Cerqueira Junior, pianista carioca conhecido como Tenorinho, acompanhava Vinícius de Moraes e Toquinho num circuito de apresentações no Uruguai e Argentina, quando desapareceu em Buenos Aires, em 18/03/1976. Após o show no teatro Grand Rex, deixou seu quarto no Hotel Normandie em busca de uma farmácia e querendo comprar cigarros. Nunca mais foi visto. Quando constataram que ele não tinha retornado ao hotel, Vinícius, Toquinho e amigos como o poeta Ferreira Gullar, que vivia naquele país, mobilizaram-se imedia- tamente. Procuraram em hospitais e delegacias, buscando também ajuda na embaixada do Brasil. O governo brasileiro informou que nada sabia e o Itamaraty anunciou que estava fazendo o possível para localizar o pianista.
Vinicius de Moraes, que foi diplomata até ser exonerado em 1968 pelo AI-5 (sendo readmitido e homenageado, post mortem, em 2006), entrou com pedido de habeas-corpus no Judiciário argentino, mas o resultado foi negativo.
Tenorinho foi tragado pela escalada do terror de Estado que o país vizinho vivia exatamente naqueles dias. O golpe militar que depôs Isabel Perón só ocorreria em 24 de março, quan- do o pianista estava preso há uma semana. Mas a Operação Condor já tinha sido lançada e a Triple A (Aliança Anticomunista Argentina) seqüestrava, torturava e matava em plena cooperação com os órgãos de segurança argentinos, mesmo antes do afastamento definitivo de Isabelita. A única pista colhida já no primeiro após o desaparecimento é que tinha ocorrido uma grande blitz na área durante aquela madrugada, com muitas prisões de suspeitos.
Tenorinho era um músico desconhecido do grande público brasileiro, mas muito respeitado por seus colegas. Elis Regina foi uma das artistas que se envolveu diretamente na busca de notícias, dedicando um de seus discos “À ausência de Tenório”. Em 1979, ainda acreditava que Tenorinho estivesse vivo e pretendia viajar a Buenos Aires para tentar localizá-lo. Tenorinho era casado com Carmem e tinha quatro filhos. A maior tinha oito anos, o caçula três. Carmem estava grávida e o quinto filho nasceu um mês depois do desaparecimento do pai. Começou sua carreira de músico aos 15 anos, tocando acordeom e violão antes de dedicar-se ao piano. Cresceu em Laranjeiras, estudou no Colégio Santo Antonio Maria Zaccaria no Catete, e ingressou na Faculdade de Ciências Médicas do Rio, tendo trancado matrícula quando cursava o 3o ano.
Em 1997, foi lançado o livro O crime contra Tenório – Saga e Martírio de um Gênio do Piano Brasileiro, de Frederico Mendonça de Olivei- ra. O autor, guitarrista, conviveu com Tenorinho de 1974 a 1976. O livro reconstitui com detalhes os últimos passos do pianista, desde 18/02/1976, quando partiu do Rio de Janeiro para apresentar-se em Montevidéu, Punta del Este e Buenos Aires. As primeiras informações concretas sobre o destino do músico só foram publicadas em 1986, quando um torturador argentino, Cláudio Vallejos, do Serviço de Infor- mação Naval, deu entrevista à revista Senhor, em seu número 270.
Tenório foi preso na avenida Corrientes, considerado suspeito por usar barba, cabelo grande e roupas “diferentes”, existindo também a informação de que ele tinha semelhança física com um líder montonero. Foi levado a uma delegacia de polícia e depois transferido para a temível ESMA, Escola de Mecânica da Armada. Hoje é sabido que para esse quartel foram levados 5.000 argentinos durante o período ditatorial. Com raríssimas exceções, foram todos assassinados sob torturas e seus corpos não foram entregues às famílias. O governo Nestor Kirchner, em 24/03/2006, data do 30o aniversário do golpe militar, inaugurou um museu de memória sobre o terror de Estado nas dependências desse tenebroso centro de torturas e extermínio.
Pela manhã, as autoridades argentinas acionaram a embaixada do Brasil. Não havia qualquer suspeita, inquérito ou processo contra Tenório e seu pai era delegado de polícia. Começavam os preparativos para libertá-lo, quando o SNI, do Brasil, manifestou interesse pelo preso. Tenorinho foi torturado para que dissesse nomes de ‘artistas comunistas’. Dois dias depois, foi torturado com a técnica chamada ‘subma- rino’. Pendurado de ponta-cabeça, com os tornozelos amarrados e as mãos algemadas para trás, era mergulhado num tonel de água, entre uma pergunta e outra. No dia 21 de março, o preso continuava em silêncio e foi visitado por um alto funcionário da embaixada brasileira. Ocorreu, então, o Golpe Militar do dia 24 e a Argentina mergulhou num longo período de repressão total e silêncio, cessando as condições de se manter qualquer ação judicial com um mínimo de chances.
Documentos apresentados pelo ex-torturador Vallejos mostraram que, em 20/03/1976, o capitão de corveta Jorge E. Acosta dirigiu ofício ao contra-almirante Jacinto Ruben Chamorro, Diretor da ESMA, pedindo autorização para estabelecer contato com o agente de ligação do SNI do Brasil. O objetivo era informar ao SNI que o grupo de tarefa chefiado por Acosta estava “interessado na colaboração para a identificação e informações sobre o detido brasileiro Francisco Tenório Jr”. Outro documento, também assinado por Acosta, era dirigido ao embaixador brasileiro, em nome do Chefe da Armada Argentina, em 25/03/1976, comunicando oficialmente a embaixada sobre a morte de Tenorinho:
1) Lamentamos informar a essa representação diplomática o falecimento de Francisco Tenório Júnior, passaporte no 197803, de 35 anos, músico de profissão, residente na cidade do Rio de Janeiro;
2) O mesmo encontrava-se detido à disposição do Poder Executivo Nacional, o que fora oportunamente informado a esta embaixada;
3) O cadáver encontra-se à disposição da embaixada na morgue judicial da cidade de Buenos Aires, onde foi remetido para a devida autopsia.
O governo militar brasileiro jamais tomou qualquer iniciativa e não procurou se comunicar com os familiares do músico, que até hoje não receberam seus restos mortais. O caso só foi assumido pelo governo argentino em 1997, após intervenção do Secretário Nacional de Direitos Humanos José Gregori. A CEMDP entendeu estar comprovada a responsabilidade do Estado brasileiro, por omissão, conivência e cumplici- dade frente ao seqüestro, tortura, morte e desaparecimento de Tenorinho.
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