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ACERVO - MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS

Ficha descritiva: JOSÉ CARLOS NOVAES DA MATA MACHADO
 
JOSÉ CARLOS NOVAES DA MATA MACHADO

Nome: JOSÉ CARLOS NOVAES DA MATA MACHADO

Pai: Edgar Godoi da Mata Machado

Mãe: Yedda Novaes da Mata Machado

Idade quando desaparecido: 27 anos

Dôssie
...
Procedimento administrativo CEMDP
022/96
Nome
JOSÉ CARLOS NOVAES DA MATA MACHADO
Data de Nascimento
20/03/1946
Municipio de Nascimento
Rio de Janeiro (RJ)
Status
Morto
Biografia

 

Os dirigentes da APML Gildo Macedo Lacerda e José Carlos Novaes da Mata Machado foram presos em dias e cidades diferentes, mas os órgãos de segurança do regime militar informaram, em mais uma versão farsante tentando encobrir seus próprios crimes, que esses dois líderes estudantis foram mortos por um terceiro militante da organização clandestina, que teria conseguido fugir.

 

Os jornais de 31/10/1973 noticiaram um tiroteio que teria ocorrido três dias antes, em Recife, na Avenida Caxangá, onde morreram Gildo e Mata Machado. A nota oficial dos órgãos de segurança informava que, presos anteriormente, ambos haviam confessado ter um encontro com “um subversivo de codinome Antônio”no dia 28. Nesse encontro, segundo a versão oficial, Antônio abriu fogo contra os próprios companheiros ao perceber o cerco, chamando-os de traidores. O objetivo da nota era encobrir as mortes sob tortura de Gildo e Mata Machado,além do desaparecimento de Paulo Stuart Wright, referido como Antônio, que tinha sido preso pelo DOI-CODI de São Paulo no mês anterior. Ou seja, mais uma vez se repetia o mesmo roteiro sórdido: autoridades do regime escamoteavam a verdade e lançavam a infâmia de que seriam delatores ou assassinos os militantes que morreram exatamente por se negarem a fornecer as informações que seus torturadores pretendiam extrair.

 

Vários depoimentos juntados ao processo na CEMDP terminaram por desmontar a farsa. Quando o preso político Rubens Manoel Lemos chegou às dependências do DOI-CODI de Recife em outubro de 1973, encontrou dois jovens com visíveis sinais de tortura. Um deles estava aparentemente morto. O outro, agonizante, ainda conseguiu balbuciar-lhe: “Companheiro, meu nome é Mata Machado. Sou dirigente nacional da AP. Estou morrendo. Se puder avise meus companheiros que eu não abri nada”. A morte de José Carlos foi presenciada também por duas estudantes – Fernanda Gomes de Matos e Melania Almeida Carvalho – igualmente detidas na ocasião.

 

Em depoimento formal prestado na Secretaria de Justiça de Pernambuco, Carlúcio Castanha, preso em 18/10/1973 em Recife e levado ao DOI-CODI, declarou ter presenciado a chegada de vários companheiros algemados e encapuzados, dentre esses Gildo Macedo e Mata Machado. Durante dias e noites, ouviu os gritos dos companheiros e sentiu forte cheiro de creolina misturado ao de vômito, fezes e sangue. Dias depois, os gritos se transformaram em gemidos e a seguir desapareceram junto com o cheiro.

 

A versão oficial terminou de ser derrubada quando o cunhado de Mata Machado e ex-membro da AP Gilberto Prata Soares relatou sua atividade como colaborador dos órgãos de segurança, entre 1973 e 1982. Ex-militante do POC que já tinha abandonado a militância política, foi preso em fevereiro de 1973 e fez um acordo com agentes do CIE, comprometendo-se a ajudar na localização de militantes da AP, a começar por cunhado, José Carlos Novaes da Mata Machado, casado com sua irmã Madalena. A partir de março de 1973, com a ajuda desse tipo de informante que o CIE convencionou chamar “cachorro”, os passos do casal e de outros militantes passaram a ser rastreados pelos órgãos de repressão. Em consequência, pessoas ligadas à APML começaram a ser presos como dominó.

 

Sabe-se que no dia 22/10/1973 Gildo foi preso com a esposa, Mariluce Moura, em Salvador. Mariluce foi também torturada, mas liberada algum tempo depois. O marido foi transferido para o DOI-CODI de Recife, onde morreu sob torturas. Mata Machado, pressentindo que o cerco se fechava, tinha viajado para São Paulo. Atendendo ao apelo de dois outros cunhados e de um amigo da família, concordou em se encontrar com eles para permanecer escondido na fazenda de um tio no interior de Minas. Por medida de segurança, o encontro foi combinado num posto de gasolina na saída da capital paulista. O grupo não tinha viajado mais do que alguns quilômetros quando foi interceptado por policiais à paisana, fortemente armados. Algemados e encapuzados, foram todos conduzidos para o DOI-CODI/SP, onde responderam a interrogatórios durante três dias. Mata Machado foi levado para Recife e os demais foram transferidos, no dia 21, para o 12° Regimento de lnfantaria, em Belo Horizonte, onde permaneceram incomunicáveis por mais algum tempo.

 

Em 1992, Gilberto Prata Soares decidiu reconhecer publicamente sua infiltração policial na AP, prestando depoimento na Câmara dos Deputados. Afirmou nessa oportunidade: “Saiu nos jornais que o José Carlos e o Gildo Lacerda tinham se matado num tiroteio no Recife, numa cobertura de ponto. Isso destoava completamente do que eu realmente sabia que tinha acontecido. (...)”.

 

Gildo e Mata Machado foram enterrados como indigentes num caixão de madeira sem tampa, com um fundo pouco espesso. A família Mata Machado conseguiu resgatar o corpo algumas semanas depois, mas a de Gildo não. Os processos de Gildo e José Carlos foram relatados juntos, sendo apreciados na primeira reunião da CEMDP. Segundo a relatora, que votou pelo deferimento dos dois pedidos, “ficou plenamente comprovado que Gildo Macedo Lacerda e José Carlos Novaes da Mata Machado foram presos e torturados até a morte pelos órgãos de segurança, sendo falsa a versão das mortes em tiroteio”.

 

Nascido no Rio de Janeiro, José Carlos Novaes da Mata Machado foi um importante líder estudantil em Belo Horizonte, tendo exercido a presidência do Centro Acadêmico Afonso Pena, da Faculdade de Direito da UFMG e a vice-presidência da UNE. Sobre sua biografia informa Elio Gaspari em A Ditadura Escancarada: “Vivera treze de seus 28 anos na militância da esquerda católica, à qual pertencera seu pai, secretário de Educação do governador Magalhães Pinto e ex-deputado federal pelo MDB de Minas Gerais. Descendia de um conselheiro do Império, constituinte de 1891, e tinha na sua biografia a marca da prisão de Ibiúna, em 1968, ao preço de nove meses de cadeia”.

 

Solto no segundo semestre de 1969, retomou sua militância clandestina na AP. Um ano depois, casou com sua companheira de organização, Maria Madalena Prata Soares. O casal morou por mais de um ano em uma favela de Fortaleza (CE), onde ele trabalhava como comerciário. Tiveram um filho, Dorival, nascido em 19/02/1972 em Goiânia, mas confiaram a guarda do menino aos avós.

 

A notícia da morte de Mata Machado repercutiu internacionalmente, sendo veiculada nos jornais New York Times, Le Monde, Avvenire D’all Itáliae  Itália e  Itália Dal Mondo. Na ocasião, uma denúncia apresentada ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana foi lida na Câmara e no Senado pelos líderes da oposição, deputado Aldo Fagundes e senador Nelson Carneiro. A repercussão, somada ao esforço dos advogados de Recife, Oswaldo Lima Filho e Mércia Albuquerque, resultou na autorização da exumação e translado do corpo do estudante para Belo Horizonte. O coronel Cúrcio Neto, comandante da 7ª Região Militar, impôs como condição para a liberação do corpo a total ausência de publicidade. Ele proibiu até mesmo o anúncio fúnebre. Após ordens e contra-ordens, o Exército liberou o translado a Belo Horizonte em caixão lacrado. A data do traslado coincidiu com a Proclamação da República, 15 de novembro.

 

No livro Dos Filhos Deste Solo, escrevem Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio: “Em Belo Horizonte, a notícia da morte de José Carlos chegou de forma impiedosa para o Dr. Edgar Godoi da Mata Machado, venerado mestre de Direito, tradutor de Jacques Maritain e de Georges Bernanos, pensador, deputado federal cassado pelo AI-5, e para Yedda, seus pais. No dia 4 de novembro, o advogado e deputado federal pernambucano, cassado, Osvaldo Lima Filho (recebeu) uma procuração do Dr. Edgar em que lhe confiava um mandato honroso e triste: promover a exumação e o traslado para Belo Horizonte do corpo do filho”.

 

O nome de Mata Machado foi dado a uma rua em Belo Horizonte no lugar de sua antiga denominação, Dan Mitrione, nome de um agente norte-americano que esteve no Brasil para ensinar métodos de tortura, sendo posteriormente sequestrado e morto pelo Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, no Uruguai.

 

Local de morte/desaparecimento
Recife (PE)
Organização política ou atividade
APML
Data do Recolhimento da documentação física para o Arquivo Nacional
06/08/2009
Referências

Brasil. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.Direito à verdade e à memória: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos. 1ª Edição.Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007.

Data da publicação no DOU
25/01/1996
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