Nome: JEOVÁ ASSIS GOMES
Pai: Luiz Gomes Filho
Mãe: Maria José Assis Gomes
Idade quando desaparecido: 24 anos
Jeová Assis Gomes foi o terceiro banido a ser morto depois de retornar clandestinamente ao Brasil, engajado na resistência armada ao regime militar. Já tinham encontrado o mesmo destino, em 1971, Aderval Alves Coqueiro e Carlos Eduardo Pires Fleury. Começa a se caracterizar, dessa forma, a existência de uma possível sentença extra-judicial de condenação à morte dos banidos que retornassem. O jornalista Elio Gaspari escreveria muitos anos depois, em A Ditadura Escancarada: “A sentença de morte contra os banidos autodocumenta-se. Entre 1971 e 1973 foram capturados dez. Nenhum sobreviveu”. Nascido em Araxá (MG), Jeová era uma liderança entre os estudantes de Física na USP, destacando-se também nas mobilizações dos moradores no CRUSP – conjunto residencial da Universidade. Em 1966, liderou a “Greve das Panelas”, que se realizou no CRUSP e precedeu a efervescência de 1968. Com a decretação do AI-5, em dezembro desse ano, o CRUSP, onde moravam 1.500 universitários, foi cercado, os prédios desocupados e muitos estudantes foram presos. Jeová, que na época era um dos dirigentes da DISP – Dissidência Estudantil do PCB/SP, foi expulso do CRUSP e da USP, já procurado pelos órgãos de segurança. Passou a atuar em Brasília e Goiás, transferindo-se com muitos outros militantes daquele agrupamento dissidente para a ALN, em 1969.
Preso em 12/11/1969 em Goiás, pela militância na ALN, foi transferido para a OBAN, onde sofreu torturas que lhe causaram fraturas nas duas pernas. Permaneceu preso até junho de 1970, quando foi banido para a Argélia em troca do embaixador alemão Von Holeben, sequestrado numa operação conjunta entre VPR e ALN. Da Argélia viajou para Cuba, recebeu treinamento militar naquele país e retornou clandestinamente ao Brasil em 1971, como militante do MOLIPO, com a tarefa de construir uma base de guerrilha na área rural. Em 09/01/1972, Jeová foi localizado e morto em um campo de futebol em Guaraí (Goiás na época, hoje Tocantins). Documentos dos órgãos de segurança o apontavam como coordenador nacional do Molipo, ao lado de Antonio Benetazzo e Carlos Eduardo Pires Fleury.
A família recebeu a notícia da morte de Jeová por meio da imprensa, na noite do dia 16/01/1972. Seu irmão foi até Guaraí, onde obteve informações de que Jeová fora morto com um tiro pelas costas e estava enterrado num cerrado na periferia da cidade. Não conseguiu o laudo, tampouco certidão de óbito e a remoção dos restos mortais. No primeiro comunicado oficial dos órgãos de segurança sobre o caso, distribuído à imprensa, as autoridades do regime militar afirmaram: “no último domingo, foi morto a tiros, na cidade de Guaraí, norte de Goiás, o terrorista Jeová Assis Gomes, ao tentar resistir à voz de prisão que lhe fora dada por agentes policiais”. Uma segunda versão, divulgada em Brasília três dias depois, relata que “A equipe de segurança abordou o referido elemento, convidando-o discretamente a acompanhá-la para fora do pequeno estádio. Aquiesceu, deslocando-se cerca de 15 metros, quando se jogou no chão, puxando do bolso uma granada, na tentativa de acioná-la, no que foi impedido a tiros pelos agentes, no interesse de evitar um morticínio de largas proporções de populares inocentes”.
Nilmário Miranda, relator do processo na CEMDP, apresentou o relatório do então delegado de Guaraí, 2º Sargento da PM, José do Bonfim Pinto que informava: “aos nove dias de janeiro de 1972, por volta das 15h30min, desembarcou nesta cidade, procedente do sul, um indivíduo que, mais tarde foi identificado como Jeová Assis Gomes, terrorista de destaque da ALN. Tomou quarto num hotel local, onde deixou uma pasta que trazia ao desembarcar. Mais ou menos às 16h, rumou para o acampamento da Rodobrás, em cuja quadra de esportes era disputada uma partida de futebol. Ali se misturou com o povo. Por volta das 16h30min foi abordado por uns senhores, que mais tarde se identificaram como agentes do DOI-CODI/11º RM, os quais, procurando afastá-lo do meio do povo, deram-lhe voz de prisão, chamando-o pelo nome. Vendo-se identificado, empurrou dois dos agentes e tentou empreender fuga, forçando um dos agentes a alvejá-lo. Dado a posição que recebeu o projétil (tórax), teve morte instantânea”. O delegado conclui descrevendo o que fora encontrado na pasta: mapas de Goiás, bússola, roupas, documentos, um revólver 38, munição, e uma bomba de fabricação caseira. Posteriormente, em 15 de setembro, o mesmo delegado encaminhou correspondência ao Secretário de Segurança de Goiás, dizendo que, estando impossibilitado de abrir inquérito para investigar a morte de Jeová, remetia todo o material existente em sua Delegacia.
No voto na CEMDP, Nilmário Miranda construiu uma detalhada comparação entre o relatório do delegado local e a versão divulgada pelos órgãos de segurança, realçando cada uma das inúmeras contradições entre ambos. Ressaltou que os agentes que ali desembarcados, procedentes de Brasília, sabiam que Jeová estaria no campo de futebol; e que a versão divulgada, três dias depois fora preparada para justificar uma execução. Considerando a evidente política de extermínio dos banidos que voltassem ao país, Nilmário concluiu: “os agentes repressivos foram a Guaraí para eliminá-lo; caso contrário, teriam-no algemado no ato da prisão. Se era considerado ‘perigoso terrorista’, provável chefe da futura guerrilha, não iriam convidá-lo ‘discretamente’, e sim imobilizá-lo imediatamente para prendê-lo, algemá-lo e revistá-lo”.
Na sessão em que a CEMDP julgou o caso, após discussão ampla, ocorreu empate na votação do processo referente a Jeová. O presidente Miguel Reale Jr. desempatou a votação: “ninguém iria levar uma granada para um campo de futebol e deixar a arma no hotel. Estava desarmado e a possibilidade de domínio era grande. Voto com o relator”. Com toda a reserva que deve recobrir a credibilidade de um texto como o “livro secreto do Exército”, divulgado em abril de 2007 pelo jornalista Lucas Figueiredo, cabe registrar neste livro-relatório um pequeno trecho de sua página 694: “Boanerges de Souza Massa continuou entregando tudo. Abriu um ‘ponto’ que teria com Jeová Assis Gomes, em Guaraí, no Estado de Goiás, no dia 10 de janeiro de 1972. A equipe policial chegou à localidade no dia 9 de janeiro e, com a ajuda de Boanerges, Jeová foi localizado nas arquibancadas de um campo de futebol, assistindo a uma partida. Ao receber voz de prisão, Jeová retirou uma granada de uma sacola e tentou sacar o grampo de segurança para lançá-la. Pressentindo a tragédia que a explosão causaria no estádio, a equipe policial atirou matando Jeová”
Em 2 de junho 2005 o então presidente da CEMDP, Augustino Veit, juntamente com a assessora Iara Xavier foram à cidade de Guaraí com a finalidade de buscar informações sobre as circunstâncias da morte de Jeová e localizar sua sepultura para posterior exumação e identificação. As informações obtidas confirmaram que Jeová foi abordado no campo de futebol da Rodobrás. Ficou confirmado que as autoridades policiais vindas de Brasília poderiam ter efetuado a prisão de Jeová, mas preferiram fuzilá-lo perante centenas de pessoas que assistiam a um jogo de futebol. A versão foi confirmada pelo soldado militar Sebastião de Abreu, que realizou o enterro. A partir de diversos depoimentos, conseguiu-se localizar a possível sepultura.
Em 12 de outubro de 2005, a polícia técnica de Brasília fez escavações para exumar os restos mortais de Jeová. As escavações foram acompanhadas pelo irmão de Jeová, Luís Antonio Assis Gomes que foi à cidade de Guaraí uma semana depois do assassinato, mas nem o soldado Sebastião Abreu e tampouco o irmão souberam precisar o local da sepultura. Ficou confirmado, no entanto, que Jeová foi assassinado em 09/01/1972, por volta das 16h, numa demonstração de força dos agentes federais. É certo também que Jeová foi enterrado no cemitério da cidade.
Brasil. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.Direito à verdade e à memória: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos. 1ª Edição.Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007.
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