Biografia
Pernambucano de Bonito, morto na capital paulista em 05/12/1971, o afrodescendente José Milton tinha sido sargento radiotelegrafista do Exército, formado pela Escola de Sargento das Armas. Foi cassado em 1964, logo após a deposição de João Goulart, militou no PCB, transferiu-se ao PCBR e teve breve passagem pelo MR-8 antes de ingressar na ALN, da qual foi dirigente. Documentos dos órgãos de segurança o indicam como participante do seqüestro do embaixador alemão, da execução do industrial Albert Henning Boilesen e como sendo uma das 21 pessoas mais procuradas em todo o país, no momento de sua prisão e morte.
Em 1967 ingressou no curso de Economia da antiga Universidade do Estado da Guanabara (UEG), atual UERJ, onde estudou até o 3º ano, quando foi forçado a entrar para a clandestinidade. Até fevereiro de 1969, trabalhou na SUNAB.
Antes de a CEMDP analisar o caso, praticamente a única informação que constava no Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos era que José Milton fora morto em tiroteio no bairro Sumaré, ao lado do cemitério do Araçá, na data citada, sendo enterrado como indigente em Perus, sob o nome falso de Hélio José da Silva.
Nos arquivos secretos do DOPS/SP foi encontrada uma requisição ao IML, marcada com o característico “T” de “terrorista”, tendo como declarante Altino Pinto de Carvalho. Lavrada com o referido nome falso, informa que ele morrera às 16 horas do dia 5 de dezembro. Mas trazia em anexo a ficha datiloscópica de José Milton. Constava também o local do tiroteio – esquina das ruas Tácito de Almeida e Cardoso de Almeida – e o horário de entrada do corpo no IML: 21 horas.
Na CEMDP, o parecer da relatora apontou, como evidências de que José Milton não morreu no alegado tiroteio, a diferença de cinco horas entre a morte e a entrada no IML, realçando também o fato de conhecerem os órgãos de segurança a verdadeira identidade do morto. Como elemento determinante, enfatizou as contradições detectadas na análise das fotos do corpo e do laudo necroscópico.
Assinado por Antônio Dácio Franco do Amaral e José Henrique da Fonseca, o laudo de necropsia aponta quatro orifícios de entrada de projétil de arma de fogo, nenhum na cabeça, mas ao exame interno observaram edema e anemia do encéfalo. O exame da foto, encontrada nos arquivos do DOPS/SP, mostra que, em pleno verão, José Milton trajava oupa pesada, com grossa japona de lã e calça de veludo, tendo o pescoço suspeitamente envolto em lenço ou cachecol, com a possível intenção de acobertar sinais de violência. Mesmo assim, a foto permite visualizar, com nitidez, os ferimentos que provavelmente causaram o edema registrado no laudo: lesões e equimoses no nariz, canto do olho esquerdo, queixo e testa, estranhamente não descritos no laudo.
Apresentado o voto pela aprovação do requerimento em 19/11/1996, o general Oswaldo Pereira Gomes manifestou-se pelo indeferimento e Paulo Gustavo Gonet Branco pediu vistas dos autos. O processo voltou à pauta em 10/04/1997 e o revisor estabeleceu uma comparação entre as fotografias do corpo e o laudo necroscópico que, embora minucioso, não fazia qualquer referência aos visíveis ferimentos em diversas partes do rosto. Com o argumento de que, “as fotografias emprestam significado relevante à demora ocorrida entre o momento da morte e o da entrega do corpo ao IML, certo de que a polícia, neste período tinha o domínio da situação e ainda que transmitem, de igual sorte, importância à indicação de nome equivocado do cadáver e subseqüente enterro sob o mesmo nome incorreto”, Paulo Gustavo Gonet Branco acompanhou o voto da relatora.