Nome: CHAEL CHARLES SCHREIER
Pai: Ire Schereier
Mãe: Emilia Brickmann Schreier
Idade quando desaparecido:
Dirigente da VAR-Palmares, cursava o 5º ano de Medicina na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo em 1968, integrando a Executiva da União Estadual dos Estudantes. Após a decretação do AI–5, passou a atuar na clandestinidade. Tinha sido antes militante da DISP. Participou da redação e distribuição de um jornal denominado Luta Operária. Documentos dos órgãos de segurança registram sua participação em algumas ações armadas em São Paulo, inclusive em dois assaltos a banco onde ocorreram mortes.
Foi preso no dia 21/11/1969, em uma casa no bairro de Lins de Vasconcelos, Rio de Janeiro, onde residia com Maria Auxiliadora Lara Barcelos, a Dora, e Antônio Roberto Espinosa, também integrantes da VAR-Palmares. Os três foram levados para o Batalhão da Polícia do Exército e Chael morreu no dia seguinte, submetido a indescritíveis torturas, como chegou a ser noticiado pela revista Veja, driblando a rigorosa censura de imprensa vigente na época. O caso também foi publicado em veículos internacionais como o New York Times, Le Monde e The Times.
A versão oficial, registrada em documento do II Exército encontrado nos arquivos do DOPS/SP, resumia: “reagiram violentamente com disparos de revólver, espingarda e mesmo com bombas caseiras. Da refrega, os três terroristas saíram feridos, sendo Chael o que estava em estado mais grave. Foram medicados no HCE, entretanto Chael sofreu um ataque cardíaco, vindo a falecer”.
Em depoimentos à Auditoria Militar, Dora e Espinoza denunciaram a morte de Chael e a tortura sofrida pelos três. Marcada profundamente pela violência a que foi submetida, Maria Auxiliadora viria a cometer suicídio em 1976, atirando-se nos trilhos do metrô na Alemanha. Na última vez em que ambos viram Chael na Polícia do Exército, ele tinha o pênis dilacerado e o corpo ensopado de sangue. Apontaram, em juízo, o nome dos torturadores e responsáveis pela morte de Chael: capitão João Luís, tenente Celso Lauria e capitão Airton Guimarães, sendo este último um conhecido expoente do jogo de bicho no Rio de Janeiro, preso mais de uma vez em anos recentes por contravenções e crimes mais graves.
Outro importante depoimento constante do processo de Chael na CEMDP é do coronel Carlos Luiz Helvécio da Silveira Leite, publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 24/02/1988. Conforme declarou na entrevista, esse oficial estava de plantão quando recebeu a comunicação da Vila Militar de que o universitário paulista havia falecido naquela dependência durante o interrogatório. O coronel, que fora membro do Centro de Informações do Exército, declarou que o oficial por ele enviado para esclarecer os fatos lhe disse: “Fiquei encabulado de ver o corpo despido e o número de equimoses e sevícias que o cadáver apresentava”.
Em A Ditadura Escancarada, Elio Gaspari acrescenta mais informações e analisa: “Havia um cadáver na 1ª Companhia da PE. Em casos anteriores esse tipo de problema fora resolvido com um procedimento rotineiro. Fechava-se o caixão, proclamava-se o suicídio e sepultava-se
o morto. O método já dera certo duas vezes, naquele mesmo quartel. Em maio, com Severino Viana Colou, e em setembro, com Roberto Cieto.Tratava-se de seguir o manual, e Helvécio despachou para a PE de Deodoro o tenente-coronel Murilo Fernando Alexander, do CIE.
O cadáver de Chael foi levado por Alexander para o hospital central do Exército. ‘Não concordaram em aceitá-lo como se tivesse entrado vivo’, contou o tenente-coronel Helvécio. A decisão fora tomada pelo próprio diretor do hospital, general Galeno da Penha Franco. Pior: o general reteve o morto e determinou que se procedesse à autópsia. O CIE tinha dois problemas. O tiroteio e as prisões da rua Aquidabã eram públicos, pois haviam sido noticiados pelas rádios. Ademais, os presos foram três, e dois estavam vivos. Isso excluía a fórmula do sumiço do corpo, usado dois meses antes na Operação Bandeirante, depois do assassinato de Virgílio Gomes da Silva. O atestado de óbito excluía a versão de suicídio. A origem social de Chael, um ex-estudante de medicina saído de uma família judia da classe média paulista, cortava o caminho ao funeral de indigente que ajudara a abafar a morte de Severino Colou”.
No parecer acatado por unanimidade na CEMDP, a relatora realçou como prova definitiva a natureza das lesões descritas pelos legistas Rubens Pedro M. Janini, Oswaldo Caymmi Ferreira e Guilherme Achilles de Faria Mello: “contusão abdominal, ruptura dos mesocolons transversos e mesetéricos, e hemorragia interna”. No laudo da necropsia, não consta qualquer descrição de entrada ou saída de projéteis no corpo de Chael.
O corpo do estudante foi entregue à família em caixão lacrado. Militares do II Exército acompanharam o traslado dos restos mortais para São Paulo, proibindo a realização do ritual judaico de sepultamento no cemitério israelita do Butantã, que inclui um banho no cadáver, para que as verdadeiras circunstâncias de sua morte não ficassem estampadas.
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