Nome: CATARINA HELENA ABI-EÇAB
Pai: Trajano Xavier Ferreira
Mãe: Helena Elias Xavier Ferreira
Idade quando desaparecido:
Nascidos na capital paulista, Catarina e João Antônio se conheceram quando estudavam Filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. João era um ativista estudantil. Fez parte da Comissão de Estruturação de Entidades, no 18º Congresso da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, realizado em Piracicaba, entre 4 e 9 de setembro de 1965, e do Diretório Acadêmico da Filosofia em 1966. Em 31/01/1967 esteve detido no DOPS, sendo indiciado por terrorismo. Foi solto por habeas-corpus. João e Catarina se casaram em maio de 1968.
Morreram juntos, no dia 8/11/1968, na BR-116, altura da cidade de Vassouras (RJ). Durante três décadas, não havia sido possível contestar a versão oficial indicando que o casal teria falecido em virtude de um acidente de carro. No veículo teriam sido encontrados uma mala com armamentos e grande quantidade de munição. Os legistas Pedro Saullo e Almir Fagundes de Souza estabeleceram como causa mortis “fratura de crânio com afundamento (acidente)”.
Os processos de Catarina Helena Abi-Eçab e de João Antonio Santos Abi-Eçab foram analisados em conjunto, porque uma única solução deveria ser dada aos dois pedidos. A CEMDP recebeu e anexou aos autos cópia do processo nº 206/69, com informações dos órgãos de repressão sobre o caso, arquivado no Superior Tribunal Militar (STM), e cópia do processo E-06/070928/2004, instaurado pelo Estado do Rio de Janeiro, buscando coletar informações sobre as circunstâncias das mortes documentadas no Arquivo do Estado. O relator colheu depoimentos de Aluísio Elias Xavier Ferreira e de Márcio Edgard Paoliello incumbidos pelas famílias de buscar os corpos na cidade de Vassouras.
Apesar da referência sobre a realização de exame necroscópico nos corpos, nem o material vindo do estado do Rio de Janeiro ou o pesquisado no STM trouxe essa prova. Não há registro de perícia de local ou dos veículos, apenas da metralhadora encontrada. Os documentos oficiais afirmam a tese do acidente – o carro em que viajavam colidiu com a traseira de um caminhão, na BR-116, às 19h35. A polícia foi avisada às 20 horas, providenciando a remoção dos cadáveres e a recolha dos pertences das vítimas. Além da metralhadora e da munição, teriam sido encontrados dinheiro, livros e documentos pessoais.
No Boletim de Ocorrência que registrou o acidente consta que “foi dado ciência à Polícia às 20 horas de 8/11/68. Três policias se dirigiram ao local constatando que na altura do km 69 da BR-116, o VW 349884-SP dirigido por seu proprietário João Antonio dos Santos Abi-Eçab, tendo como passageira sua esposa Catarina Helena Xavier Pereira (nome de solteira), havia colidido com a traseira do caminhão de marca De Soto, placa 431152-RJ, dirigido por Geraldo Dias da Silva, que não foi encontrado. O casal de ocupantes do VW faleceu no local. Após os exames de praxe, os cadáveres foram encaminhados ao necrotério local”.
Em abril de 2001, entretanto, denúncias feitas pelo repórter Caco Barcellos, veiculadas no Jornal Nacional (TV Globo), derrubaram a versão policial de acidente e mostraram que João e Catarina foram executados com tiros na cabeça. O jornalista entrevistou o ex-soldado do Exército Valdemar Martins de Oliveira, que relata algumas missões reservadas a ele atribuídas por órgão militar de segurança – entre elas a infiltração em grupos de teatro –, a prisão, tortura e a execução de um casal de estudantes pelo chefe da operação militar. A suspeita era de participação desses jovens na execução do capitão do exército norte-americano Charles Chandler. Valdemar reconheceu Catarina como presa, torturada e morta em um sítio em São João do Meriti e afirmou que os órgãos de repressão, após a execução, teriam forjado o acidente. Com base nesses relatos, Caco Barcelos entrou em contato com a família de Catarina, que concordou em exumar os restos mortais. Os laudos da exumação concluíram que a morte foi conseqüência de “traumatismo crânio-encefálico” causado por “ação vulnerante de projétil de arma de fogo”, indo contra a hipótese de acidente.
O relator, na tentativa de obter o laudo necroscópico realizado em 9/11/1968, fez diligência ao Conselho Regional de Medicina/RJ e conseguiu entrevistar, por telefone, o médico Almir Fagundes de Souza, cujo nome consta no Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos como legista do exame necroscópico. Ele declarou que, “(...) admite a possibilidade de o Dr. Pedro Saullo, diante das informações prestadas pela Polícia e dada sua pouca experiência, sequer ter necropsiado a calota craniana. (...) que acredita que esse caso possa ser um dos primeiros casos analisados de Pedro Saullo (...)”.
A prova dos autos, segundo o relator, não autorizava a tese de acidente. Nenhum indício aponta para qualquer detonação de explosivos, hipótese que também foi aventada. A reportagem de Caco Barcellos e as providências que a ela se seguiram introduziram duas novas possíveis versões: 1) prisão, tortura e execução do casal, com preparo forjado de uma cena de acidente na seqüência; 2) perseguição do VW por agentes do Estado, com disparos fatais. O relator sustentou que ambas as hipóteses eram verossímeis e tinham amparo na prova, conduzindo ao mesmo resultado de responsabilização do Estado. E concluiu:... “presentes as condições legais e após detida análise de toda a prova defiro o pedido inaugural, reconhecida a condição de Catarina Helena Abi-Eçab e de João Antonio dos Santos Abi-Eçab como mortos por ação de agentes do Estado, no período previsto pela Lei”.
Atualize o Flash Player