esqueceu sua senha?

ACERVO - MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS

Ficha descritiva: Luiz Antônio Santa Bárbara
 
Luiz Antônio Santa Bárbara

Nome: Luiz Antônio Santa Bárbara

Pai: Deraldino Santa Bárbara

Mãe: Maria Ferreira Santa Bárbara

Idade quando desaparecido:

Dôssie
...
Procedimento administrativo CEMDP
216/96 e 078/02
Nome
Luiz Antônio Santa Bárbara
Data de Nascimento
08/12/1946
Municipio de Nascimento
Inhambupe (BA)
Status
Morto
Biografia

 

Luiz Antonio Santa Bárbara e Otoniel Campos Barreto foram mortos no lugarejo de nome Buriti Cristalino, município de Brotas de Macaúbas (BA), no dia 28 de agosto de 1971. Nascido nessa localidade do sertão baiano, Otoniel era camponês, irmão de José Campos Barreto, o “Zequinha”, que seria morto junto com Lamarca no mês seguinte. Na mesma operação em Buriti também foram presos um terceiro irmão, Olderico, baleado no rosto, bem como o pai, Jose de Araújo Barreto, de 65 anos, imediatamente torturado.

 

Nascido de uma família pobre de Inhambupe (BA), Luiz Antonio estudara no Colégio Municipal Joselito Amorim, em Feira de Santana, onde presidiu o Grêmio Estudantil. Trabalhou como tipógrafo na Gazeta do Povo, onde começou sua prática política. Em 1967, passou a militar na dissidência baiana do PCB, um dos núcleos de militantes que formariam o MR-8. Já atuava na clandestinidade desde 1969, depois de enfrentar uma primeira prisão, na onda repressiva que se seguiu ao AI-5. Foi o primeiro militante do MR-8 a ser deslocado para aquela região. Chegou no Buriti Cristalino como sendo Roberto, o professor. Hospedado na casa de José Barreto, pai de Zequinha, Otoniel e Olderico, trabalhava diariamente com essa família na roça. Era um bom jogador de futebol e foi visto como craque na pequena localidade.

 

Sua tarefa era formar uma escola de alfabetização no povoado carente, onde poucos sabiam ler. Todas as tardes, a casa de José Barreto se enchia de crianças e adultos para ouvir o professor Roberto. Chegou a montar uma encenação teatral sobre as dificuldades sentidas pela população local, como pobreza e cobrança de impostos. Lamarca ajudou Santa Bárbara a escrever o texto, que foi ensaiado com entusiasmo pelos alunos.

 

Na CEMDP, o primeiro relator do caso Santa Bárbara, em sessão de 17/10/1996, votou pelo indeferimento por considerar não comprovada sua morte em local que se pudesse definir como “dependência policial ou assemelhada”. O relator do outro processo, referente a Otoniel, pediu vistas para que ambos os casos fossem analisados em conjunto.

 

Essas mortes ocorreram no escopo da chamada Operação Pajuçara, organizada com o objetivo de capturar ou destruir Lamarca e seu grupo, conforme constou em documentos oficiais. Dela chegaram a participar 215 pessoas, escolhidas a dedo entre integrantes da Marinha, Aeronáutica, Polícia Federal, Polícia Militar da Bahia, DOPS de São Paulo, CODI/6, e 19º BC, conforme descreve o relatório elaborado pelo IV Exército. Todos os seus integrantes atuaram à paisana. A Companhia de Mineração Boquira forneceu avião, carros e funcionários para que a ação pudesse ser mantida em sigilo. Também colaborou a empresa Transminas.

 

O relatório oficial da Operação Pajuçara não descreveu os embates ocorridos em Buriti, limitando-se a informar que, na madrugada daquele dia, os agentes cercaram e investiram contra o local, onde acreditavam que estaria o capitão perseguido. Registra apenas que a operação “redundou nas mortes de Luiz Antônio Santa Bárbara, ‘Merenda’; Otoniel Campos Barreto, bem como ferimentos e prisão de Olderico Campos Barreto”. O relatório é esclarecedor, contudo, quando descreve as características da ocupação do local. A análise das informações permite concluir que a fazenda se transformou, temporariamente, em base assemelhada a estabelecimento policial: “em Fazenda Buriti houve grande concentração de equipes, após o estouro do ‘aparelho’, em face da necessidade de desenvolver intenso patrulhamento”. De fato, o local foi transformado em base de comando, patrulha e comunicação, e nele se estabeleceram os agentes do DOPS de São Paulo, do CISA, do CIE e do 19° BC, além de outras equipes estrategicamente alocadas ao redor. Esses dados são confirmados por depoimentos de moradores informando que “os militares ficaram por volta de dez dias instalados na casa da família Campos Barreto, dormindo, comendo, dirigindo as operações de busca e mantendo preso o Sr. José de Araújo Barreto”. Os agentes “também dormiam na igreja e no mercadinho”.

 

Estando preenchida, portanto, uma das condições para inclusão na Lei nº 9.140/95, a CEMDP se deteve na análise das circunstâncias da morte de cada um. Segundo a versão oficial, consignada no laudo de exame cadavérico de Otoniel, ele foi abatido quando reagiu à bala contra os agentes. A versão divulgada pelos jornais diz que Otoniel efetivou um disparo de arma de fogo e saiu correndo, quando foi atingido. O laudo necroscópico é impreciso e não estabelece a trajetória dos disparos, deixando de fazer a relação entre orifícios de entrada e orifícios de saída. Registra, por exemplo, um disparo no olho esquerdo, sem indicar orifício de saída ou o local onde o projétil se alojou. Permite concluir, contudo, que recebeu um disparo na cabeça, de frente, e foi metralhado pelas costas. Há, ainda, um tiro no ombro direito, com orifício de entrada de cima para baixo, o que causa estranheza, pois indica que Otoniel deveria estar deitado para receber tal projétil, o que contradiz a descrição de fuga feita pelos agentes.

 

O interrogatório de Olderico na Justiça Militar e outros documentos anexados trouxeram mais detalhes sobre o ocorrido. Otoniel foi logo detido e Olderico reagiu, razão pela qual foi atingido por um disparo no rosto. Quando recobrou os sentidos, foi preso e conduzido, juntamente com o pai e o irmão, para a frente da casa. Diz que Otoniel foi despido, permanecendo apenas de calção e que, na sua calça, deixada nas proximidades, havia uma arma de fogo, fato não percebido pelos agentes. Levaram o pai para o barracão, onde o velho foi pendurado em uma corda, de cabeça para baixo e, com socos, golpes de armas e ameaças de morte, exigiam saber o paradeiro do filho Zequinha. Do lado de fora, Otoniel, em desespero pelos gritos do pai, alcançou a arma, deu um disparo e saiu correndo, tendo sido atingido. Olderico declara ainda que, enquanto era novamente espancado, um policial disse, referindo-se ao irmão morto: “Isso é para ver o que acontece com quem foge”.

 

Reuel Pereira da Silva, soldado e morador no município, prestou dois depoimentos à Justiça Militar, um em 1972 e outro em 1979. No primeiro dos depoimentos, além de esclarecer que se engajou na equipe de repressão, confirma que Otoniel já estava detido, sob sua guarda, antes de morrer. Esclarece que naquele momento o pai dos rapazes havia sido conduzido, algemado, para um barracão. Diz que foi surpreendido pelo tiro de Otoniel e não conseguiu segurá-lo, saindo em seu encalço, sendo que outros agentes o perseguiram, ouvindo depois diversos disparos. Ainda segundo o esclarecimento do soldado, Otoniel tentou fugir correndo na direção contrária ao local em que seu pai se encontrava preso, sendo perseguido pelos agentes.

 

O relator do processo na CEMDP concluiu que Otoniel já estava formalmente detido quando ocorreu o tiroteio, sendo provável que tenha sido atingido primeiro nas costas, onde levou dois tiros. E levantou questionamento sobre os outros tiros, um na cabeça, pela frente, e outro no ombro, de cima para baixo: teria sido uma execução?

 

Ressaltou que a atitude negligente dos policiais, de deixar uma arma ao seu alcance, não retira a responsabilidade do poder público; e que os disparos, todos direcionados para o tronco e para a cabeça, indicam a intenção de matar, não de imobilizar. Também destacou a nítida desproporção entre as forças oficiais e dos moradores de Buriti. Otoniel era um jovem de apenas 20 anos, que nunca conheceu outro lugar. Não era um guerrilheiro temível, com treinamento. Mostrou que nem sabia atirar. As armas encontradas no chamado “aparelho rural” eram armas de defesa, muito comuns, como registram as testemunhas, em região quase inóspita. Votou pelo deferimento, e foi acompanhado pela maioria da CEMDP.

 

Quanto à morte de Luiz Antonio, o relator considerou que havia duas versões para a morte: a de que morrera durante o tiroteio, como registra o laudo necroscópico, e outra de suicídio, relatada por testemunhas e difundida tanto pelo livro quanto pelo filme que retratam a história do capitão Lamarca. Na verdade, a tese do suicídio resultou da interpretação que os autores do livro Lamarca – o capitão da guerrilha deram aos depoimentos feitos por Olival Barreto, com 10 anos, e José Tadeu, 16, respectivamente irmão e primo de Otoniel, que  guerrilha deram aos depoimentos feitos por Olival Barreto, com 10 anos, e José Tadeu, 16, respectivamente irmão e primo de Otoniel, que estavam escondidos debaixo da cama no quarto onde se encontrava Luiz Antonio. Relatam que o viram armado, atrás da porta, escutaram um tiro e viram seu corpo cair. Não há qualquer documento que registre a morte, que cite o horário, quem encontrou o corpo. A versão oficial divulgada nos jornais, contida na requisição de exame ao IML, assinada pelo coronel Luís Arthur de Carvalho e repetida no relatório do Exército de 1993, foi de que morrera em confronto. O relator argumentou que Santa Bárbara não estava sob a guarda dos agentes, que ainda não teriam assumido o controle total da área para que fosse caracterizada como “dependência policial ou assemelhada”. E considerou que as duas hipóteses – suicídio ou morte em confronto – não eram abrangidas pela Lei nº 9.140/95, sendo o processo indeferido.

 

Um recurso apresentado pela família também foi indeferido, ocasionando pedido de vistas de Nilmário Miranda, que acrescentou novo depoimento de Olival e José Tadeu, detalhando o ocorrido. Considerou em seu parecer que o local já estava sob controle da força policial, que acabara de matar Otoniel e prender Olderico e José Barreto. Agregou que a família, ao receber o corpo, vira que sua mão estava vazada por um disparo, da palma para o dorso da mão direita, o que fora relatado no depoimento na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, em 17/10/1996, pelo agente da Polícia Federal Paulo Roberto Silva Lima, perfuração essa que enfraquece a tese de suicídio por disparo de uma pessoa que era destra e, mais ainda, permite supor o gesto instintivo de defesa de quem está prestes a ser baleado à queima-roupa. No entanto, esses argumentos não convenceram a maioria da CEMDP, que votou pelo indeferimento.

 

Dessa forma, a verdade dos fatos não pode ser restabelecida e o processo de Luiz Antonio somente foi aprovado com a Lei nº 10.875/04, que ampliou os benefícios da Lei nº 9.140/95, ampliando a abrangência das circunstâncias de morte. O cadáver de Otoniel, sepultado no cemitério local, foi exumado no dia seguinte e transportado para Salvador. Desde então, seu corpo foi dado pela família como desaparecido, razão pela qual requereu também sua localização e traslado para o cemitério onde foi sepultado logo após a morte.

Local de morte/desaparecimento
Brotas de Macaúbas (BA)
Organização política ou atividade
Brasil. Secretaria Especial dos Direitos Humanos.Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.Direito à verdade e à memória: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos. 1ª Edição.Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007
Data do Recolhimento da documentação física para o Arquivo Nacional
06/08/2009
Notação Arquivo Nacional
Publicação no DOU: 17/08/2004
Referências
Brasil. Secretaria Especial dos Direitos Humanos.Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.Direito à verdade e à memória: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos. 1ª Edição.Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007
voltar
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Setor Comercial Sul - B, Quadra 9, Lote C, Edificio Parque Cidade Corporate, Torre "A", 10º andar, Brasília, Distrito Federal, Brasil CEP: 70308-200c

Atualize o Flash Player