Nome: MARCOS NONATO DA FONSECA
Pai: Octávio Fonseca Filho
Mãe: Leda Nonato Fonseca
Idade quando desaparecido:
Enquanto os militantes da ALN, Ana Maria Nacinovic Correa, Iuri Xavier Pereira, Marcos Nonato da Fonseca e Antônio Carlos Bicalho Lana almoçavam no restaurante Varella, no bairro da Mooca, em São Paulo, no dia 14/6/1972, o proprietário do estabelecimento, Manoel Hen-rique de Oliveira, telefonou para a polícia avisando da presença em seu restaurante de algumas pessoas cujas fotos estavam nos cartazes de terroristas procurados. Rapidamente, os agentes do DOI-CODI montaram uma emboscada em torno do restaurante, mobilizando grande contingente policial. Como saldo da operação, morreram Ana Maria, Iuri e Marcos Nonato, ao passo que Antônio Carlos Bicalho Lana con-seguiu escapar ferido, e relatou o ocorrido a seus companheiros.
Marcos Nonato era estudante secundarista do Colégio Pedro II, em Humaitá no Rio de Janeiro, onde começou sua militância política. De origem humilde e afrodescendete, cuidava dos irmãos menores enquanto seus pais trabalhavam: ela, como manicure, ele, como cozinheiro. Morava numa casa muito simples em São Conrado. Nutria admiração especial pela vida e atitudes de Dom Helder Câmara em favor dos necessitados. No final de 1969, com 16 anos, já atuava clandestinamente, militando na ALN. Durante alguns meses, atuou no regional de Minas Gerais, participando do assalto a banco que terminou na prisão e morte de Aldo de Sá Brito Souza Neto em janeiro de 1971. Depois disso, retornou ao Rio de Janeiro, sendo posteriormente deslocado para São Paulo.
Sua mãe guarda a última carta que escreveu à família, em 30/12/1971: “Estou escrevendo novamente, depois de um longo tempo sem mandar notícias. (...) O povo perdeu combatentes de valor, como Marighella, Câmara Ferreira, Lamarca e tantos outros. Mas, apesar disso, nossa luta não terminou, porque é a luta de um povo contra seus opressores. Estou me lembrando que amanhã vai fazer dois anos em que estivemos juntos pela última vez. Foi numa passagem de ano de 69 para 70... Não me arrependo do caminho que escolhi... Até uma outra vez. Seu saudoso filho”. Marcos foi morto aos 19 anos, sendo enterrado no Cemitério São João Batista (RJ), por seus familiares.
Quanto às reais circunstâncias da morte dos três, a versão oficial informou sobre o cerco montado pelos agentes de segurança, referindo-se a ferimentos em uma menina, em um transeunte e em dois agentes policiais, não identificados nas matérias publicadas ou nos documentos localizados. Somente a partir da abertura dos arquivos do DOPS/SP começaram a surgir elementos que colocaram em dúvida a versão oficial de que os três teriam morrido em tiroteio. Não foi possível reconstituir toda a verdade dos fatos, mas as mortes certamente não ocorreram no local, conforme a narrativa oficial. Depoimento de uma testemunha, documentos oficiais localizados e perícias realizadas nos restos mortais dos militantes derrubara a versão de morte em tiroteio.
A CEMDP apurou que os três militantes não foram levados diretamente ao IML, e sim ao DOI-CODI do II Exército, na rua Tutóia, em cujo pátio foram vistos pelo preso político Francisco Carlos de Andrade. Francisco não conhecia Marcos Nonato, mas reconheceu Ana Maria e Iuri dentre os três corpos que viu no pátio da 36ª DP, sede do DOI-CODI/SP.
Na CEMDP, depois de apresentado o voto do processo referente a Ana Maria, houve pedido de vistas e o envio ao perito Celso Nenevê, que recomendou exumação e exame pericial do cadáver, considerando que a má qualidade das fotos anexadas ao processo não permitia análise detalhada dos ferimentos. Não sendo deferido o pedido pela CEMDP, a exumação foi feita a cargo dos familiares, que trouxeram da Argentina os técnicos da Equipe Argentina de Antropologia Forense, e os casos voltaram à pauta em conjunto.
A primeira lacuna suspeita é que, tratando-se de um episódio de tamanha violência e proporções, com três mortos e quatro feridos, incluindo dois policiais que não são identificados, não houve perícia de local; não há fotos dos corpos no local onde foram abatidos; não foram encontradas referências às armas apreendidas que os três militantes certamente portavam; não houve exames residuais de pólvora ou balística para determinação dos possíveis responsáveis pelos tiros que teriam atingido os quatro feridos. Enfim, nada foi feito para corroborar a versão oficial.
Apesar de os jornais informarem que dali os corpos teriam sido levados para o necrotério, os três militantes não foram levados diretamente ao IML, mas sim ao DOI-CODI do II Exército, onde foram vistos pelo então preso político Francisco Carlos de Andrade, conforme declaração apresentada à CEMDP. Além do testemunho de Francisco, houve comprovação do fato por meio das fichas de identificação de Iuri e Ana Maria, feitas no DOI-CODI do II Exército no mesmo dia 14, localizadas nos arquivos do DOPS/SP. Há ainda registros nos documentos oficiais de que teriam sido feridos, mas nada consta sobre terem sido socorridos.As necropsias, realizadas no IML/SP em 20/06/1972, assinadas pelos legistas Isaac Abramovitc e Abeylard de Queiroz Orsini, confirmam as mortes em tiroteio. Com requisição do delegado Alcides Cintra Bueno Filho, do DOPS, os corpos deram entrada no IML às 17 horas, mas sem roupas. Ana Maria chegou despida, Iuri de cuecas e meias, enquanto Marcos estava de calça, cueca, sapatos e meia. Com certeza, não é possível que com essas vestimentas tivessem almoçado no restaurante e participado de um violento tiroteio, ferindo dois policiais e dois transeuntes, conforme a versão oficial.
No contexto da política repressiva vigente na época em que Iuri, Ana Maria e Marcos foram mortos, quando a execução já vinha se tornando rotina para os acusados de participação direta em ações armadas, a relatora do processo na CEMDP afirmou que foi montado um esquema destinado a empreender um cerco definitivo aos militantes, com o objetivo prévio de eliminá-los. “Eles ocupavam posições de destaque dentro da luta armada e estavam sendo caçados pelos agentes policiais. A partir do momento em que o dono do Restaurante Varella denunciou ao DOI-CODI a presença dos quatro em seu estabelecimento, os agentes policiais viram a possibilidade de matá-los. Visando tal fim a permaneceram durante algum tempo nas proximidades do restaurante, organizando cuidadosamente o cerco”.
Os familiares exumaram os restos de Iuri e Alex. Foram também exumados e examinados os corpos de Ana Maria e Marcos. A identificação das ossadas de Iuri e Alex foi assumida pela família, sendo feita por meio de exame de DNA no Serviço de Huellas Digitales Genéticas – Faculdade de Farmácia e Bioquímica da Universidade de Buenos Aires, aos cuidados do Dr. Daniel Corach.
Para cada um dos três militantes, a CEMDP discutiu separadamente as circunstâncias da morte. Para Ana Maria, a análise dos peritos Luís Fondebrider e Celso Nenevê apontou a inexistência de qualquer referência no laudo do IML de fratura ou das lesões visíveis na foto de seu corpo no seio, no ouvido e no pescoço, bem como a existência de disparo característico de tiro de execução, desferido de cima para baixo. Analisando o esqueleto, Fondebrider constatou que somente no fêmur esquerdo detectara fratura peri-mortem, não sendo esse ferimento responsável pela morte de Ana. Juntamente aos ossos, foram localizados três projéteis de arma de fogo, enquanto o laudo indicava apenas dois tiros, tendo um transfixado o corpo. Em conclusão, Ana Maria recebeu dois outros tiros não descritos no laudo.
Celso Nenevê destacou que todas as fotos mostram Ana com a boca entreaberta, expondo a arcada dentária superior. Segundo o perito, essa condição “é sugestiva da possibilidade de insuficiência respiratória, a qual poderia ser resultante de lesão em órgãos deste sistema. Como não consta exame interno, nada se pode inferir do motivo da boca estar entreaberta. Outrossim, cabe salientar que a lesão da região mamária direita poderia causar insuficiência respiratória, dependendo para tanto da intensidade (profundidade) e das características do agente causador”. causar insuficiência respiratória, dependendo para tanto da intensidade (profundidade) e das características do agente causador”. causar insuficiência respiratória, dependendo para tanto da intensidade (profundidade) e das características do agente causador.”
Os restos mortais de Iuri foram examinados pelo legista Nelson Massini, que comparou as fotos de seu corpo e o laudo de Isaac Abramovitc e, ainda, o mesmo laudo com os restos ósseos. O legista afirmou que Iuri foi atingido por pelo menos seis projéteis de arma de fogo e não apenas três como indicou o laudo do IML; que seu corpo apresentava lesões evidenciando que foi agredido em vida e, portanto, antes de ser atingido pelos disparos fatais ou ocorrência da morte; destacou duas perfurações de entrada de arma de fogo sobre o coração, não descritas no laudo necroscópico, sendo esses disparos característicos de alvo parado e assim denominados de disparos de misericórdia ou execução. Segundo o legista, “esses disparos apresentam como características a sua localização, próximos um do outro sendo denominados de disparos em ‘peneira’, e representam alvo parado ou imobilizado. Devido à região letal que atingiram são interpretados como tiros de misericórdia ou execução. Não sendo possível pela ausência das vestes determinar-se as distâncias dos disparos nota-se ainda, que houve a intenção no momento da fotografia de esconder as perfurações com a placa de numeração do cadáver”; os disparos que atingiram o crânio, tanto os descritos no laudo do IML como de esconder as perfurações com a placa de numeração do cadáver”; os disparos que atingiram o crânio, tanto os descritos no laudo do IML como de esconder as perfurações com a placa de numeração do cadáveros encontrados no ato exumatório, foram efetuados com trajetória de cima para baixo, indicando que a vítima encontrava-se em plano inferior ao atirador, fato esse que se choca com a versão de confronto. Para ser atingido desta maneira, Iuri já estaria no chão e dominado.
O corpo de Marcos Nonato também foi examinado por Luís Fondebrider e Nelson Massini. Nelson Massini foi taxativo em sua conclusão: Marcos Nonato estava deitado ao ser atingido. O exame pericial de Isaac Abramovitc descrevia que Marcos recebera dois tiros: “ferimento com as características daqueles produzidos pela entrada de projétil de arma de fogo, localizado na linha média da face anterior da porção inferior da região cervical. O projétil, dirigido de frente para trás, de cima para baixo e da direita para a esquerda, fraturou a clavícula es-querda, transfixou o lobo superior do pulmão esquerdo provocou derrame hemorrágico na pleura esquerda, transfixou o omoplata esquerdo e saiu pela região escapular esquerda. Nota-se, ainda, outro ferimento de entrada de projétil de arma de fogo, na região mamária direita, três centímetros para dentro e para cima do mamilo direito”.
No gráfico que acompanhou o laudo, com a localização da penetração dos projéteis, a descrição do laudo é comprovada: os tiros foram disparados de cima para baixo. Dada sua localização, as trajetórias seriam impossíveis para um tiroteio. O exame das fotos localizadas no DOPS mostrou ainda a existência de lesões não descritas no laudo e indicativas de tortura: “ferimento contundente com área equimótica na região mamária; equimoses profundas sobre os olhos, nariz edemaciado; ferimento corto-contuso próximo à axila esquerda”. O exame pericial dos ossos indicou ainda que o corpo não fora aberto para exame. Portanto, o legista descreveu lesões sem constatá-las.A CEMDP concluiu não restar dúvidas de que a morte de Iuri, Ana Maria e Marcos Nonato ocorrera quando estavam em poder dos agentes do Estado, aprovando por maioria de votos os três requerimentos em 24/04/1997.
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