Nome: MANOEL FIEL FILHO
Pai: Manoel Fiel de Lima
Mãe: Margarida Maria de Lima
Idade quando desaparecido:
Essa morte ficou registrada na história do regime ditatorial em estreita conexão com a de Vladimir Herzog. Aquela provocou grande repercussão junto à opinião pública brasileira, mas nada alterou na rotina do aparelho de segurança. A morte de Fiel, tendo ocorrido durante o recesso parlamentar e as férias universitárias, gerou noticiário mais discreto e, no entanto, produziu abalos na estrutura do regime militar. Reagindo a mais um suicídio forjado, o presidente Ernesto Geisel exonerou o comandante do II Exército, general Ednardo D’Ávila Mello, e tirou da chefia do CIE o general Confúcio Danton de Paula Avelino, abrindo guerra aberta contra o seu ministro do Exército, Sylvio Frota, que seria também demitido no ano seguinte.
Alagoano de Quebrangulo, terra natal também de Graciliano Ramos, Manoel Fiel vivia na capital paulista desde os anos 50. Tinha trabalhado como padeiro e cobrador de ônibus antes de se tornar operário metalúrgico, trabalhando como prensista na Metal Arte, no bairro da Mooca, há 19 anos. Era casado com Thereza de Lourdes Martins Fiel, tinha duas filhas, e morava num sobrado na Vila Guarani.
Acusado por outro preso político torturado de receber alguns exemplares do jornal Voz Operária, do PCB, foi preso na fábrica, em 16/01/1976, às 12h, por dois agentes do DOI-CODI paulista. No dia seguinte, uma nota oficial informou que Fiel Filho havia se enforcado na cela com as próprias meias. Ocorre que, quando detido, ele usava chinelos sem meias, de acordo com depoimentos dos colegas de trabalho.
Quando os parentes conseguiram a liberação do cadáver para ser enterrado no cemitério da Quarta Parada, verificou-se que o corpo apresentava sinais evidentes de torturas, principalmente na região da testa, nos pulsos e no pescoço. No entanto, o exame necroscópico, solicitado pelo delegado de polícia Orlando D. Jerônimo e assinado pelos legistas José Antônio de Mello e José Henrique da Fonseca, simplesmente confirmava a versão oficial do suicídio.
O II Exército divulgou nota com o seguinte teor: “O comando do II Exército lamenta informar que foi encontrado morto, às 13h do dia 17 do corrente, sábado, em um dos xadrezes do DOI-CODI/II Exército, o Sr. Manoel Fiel Filho. Para apurar o ocorrido, mandou instaurar Inquérito Policial-Militar, tendo sido nomeado o coronel de Infantaria QUEMA (Quadro do Estado Maior da Ativa) Murilo Fernando Alexander, chefe do Estado Maior da 2ª Divisão de Exército”. O coronel Murilo Alexander – lembra Elio Gaspari em A Ditadura Encurralada– era o mesmo oficial que tinha levado o cadáver de Chael Charles Schreier ao Hospital do Exército, no Rio, em 22/11/1969, tentando dissimular aquela morte sob torturas, sendo também apontado como um dos autores de inúmeros atentados terroristas de direita ocorridos em 1968.
O IPM foi concluído no prazo previsto de 30 dias. O procurador militar Darcy de Araújo Rebello, no parecer, datado de 28/04/1976, pediu o arquivamento do processo alegando que: “As provas apuradas são suficientes e robustas para nos convencer da hipótese do suicídio de Manoel Fiel Filho, que estava sendo submetido a investigações por crime contra a segurança nacional. (...) Aliás, conclusão que também chegou o ilustre Encarregado do Inquérito Policial Militar”.
Os companheiros de fábrica de Manoel Fiel publicaram uma nota, por intermédio do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, onde relatam com detalhes o ocorrido. “Manoel Fiel, no dia 16/01/1976, havia sido detido ilegalmente às 12h por dois policiais que se diziam funcionários da Prefeitura, na fábrica onde trabalhava, a Metal Arte. Puseram-no num carro, foram até sua casa que foi vasculhada por eles. Nada encontraram que pudesse incriminar Fiel Filho. Diante de sua mulher – Tereza de Lourdes Martins Fiel – levaram-no para o DOI-CODI do II Exército, afirmando que ele voltaria no dia seguinte. Mas ele não voltou. No dia seguinte, um sábado, às 22h, um desconhecido, dirigindo um Dodge Dart, parou em frente à casa do operário e, diante de sua mulher, suas duas filhas e alguns parentes, disse secamente: ‘O Manoel suicidou-se. Aqui estão suas roupas.’ Em seguida, jogou na calçada um saco de lixo azul com as roupas do operário. Sua mulher então começou a gritar: ‘Vocês o mataram! Vocês o mataram!’”
O relato prossegue: “Naquela trágica noite, os parentes que foram até o IML tentar recuperar o corpo do operário morto, sentiram-se pressionados. As autoridades só entregavam o corpo com a condição de que Fiel Filho fosse sepultado o mais rapidamente possível e que ninguém falasse nada sobre sua morte. No domingo, dia 18, às 8h da manhã, ele foi sepultado. Obrigadas ao silêncio, a viúva e as filhas nem mesmo se manifestaram quando o então comandante do II Exército, general Ednardo D’Ávila Mello, foi exonerado do seu cargo”. Os operários mostravam-se inconformados e pediam justiça: “(...) Em apenas 20 dias, foi feito um inquérito e, mesmo sem qualquer base legal ou provas concretas, concluiu pelo ‘suicídio’. Logo depois, o processo foi arquivado. Dois anos se passaram em silêncio. Até que se pode provar que, antes de morrer, o operário sofrera torturas. Gritava de dor e pedia aos seus torturadores: ‘Pelo amor de Deus, não me matem’. Seus gritos foram sumindo durante as torturas até que acabou morrendo estrangulado. Não fora suicídio”.
Em 1978, a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, então integrada por José Carlos Dias, José Gregori, Margarida Genevois, Hélio Bicudo, dentre outros defensores dos Direitos Humanos, tomou depoimentos dos presos políticos que presenciaram as torturas do operário. Em 1980, foi lançado o livro Manoel Fiel Filho: quem vai pagar por este crime?, de Carlos Alberto Luppi, pela Editora Escrita. No IPM, a família do operário foi representada pelo advogado Belisário dos Santos Junior, que em 2001 passaria a fazer parte da CEMDP, sendo hoje o seu mais antigo integrante. Ação cível proposta contra a União Federal e patrocinada pelos advogados Marco Antônio Rodrigues Barbosa, Samuel Mac Dowell Figueiredo e Sérgio Bermudes, após vários anos de tramitação na Justiça Federal, foi julgada procedente em 1995, com a condenação da União e o reconhecimento de sua responsabilidade pela prisão ilegal, tortura e morte de Manoel Fiel Filho.
A notoriedade do caso determinou a aprovação unânime pelos membros da CEMDP, sem qualquer controvérsia. A própria exoneração do comandante do II Exército tinha equivalido ao expresso reconhecimento da responsabilidade do Estado pela morte sob torturas de mais um opositor político do regime militar. Na contagem de Elio Gaspari, no livro citado, “Manoel Fiel Filho fora o 39º suicida do regime, o 19º a se enforcar. Como Cláudio Manuel das Costas, com as meias, sem vão livre”.
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