Nome: GILDO MACEDO LACERDA
Pai: Agostinho Nunes Lacerda
Mãe: Justa Garcia Macedo Lacerda
Idade quando desaparecido: 24 anos
Os dirigentes da APML Gildo Macedo Lacerda e José Carlos Novaes da Mata Machado foram presos em dias e cidades diferentes, mas os órgãos de segurança do regime militar informaram, em mais uma versão farsante tentando encobrir seus próprios crimes, que esses dois líderes estudantis foram mortos por um terceiro militante da organização clandestina, que teria conseguido fugir.
Os jornais de 31/10/1973 noticiaram um tiroteio que teria ocorrido três dias antes, em Recife, na Avenida Caxangá, onde morreram Gildo e Mata Machado. A nota oficial dos órgãos de segurança informava que, presos anteriormente, ambos haviam confessado ter um encontro com “um subversivo de codinome Antônio”no dia 28. Nesse encontro, segundo a versão oficial, Antônio abriu fogo contra os próprios companheiros ao perceber o cerco, chamando-os de traidores. O objetivo da nota era encobrir as mortes sob tortura de Gildo e Mata Machado,além do desaparecimento de Paulo Stuart Wright, referido como Antônio, que tinha sido preso pelo DOI-CODI de São Paulo no mês anterior. Ou seja, mais uma vez se repetia o mesmo roteiro sórdido: autoridades do regime escamoteavam a verdade e lançavam a infâmia de que seriam delatores ou assassinos os militantes que morreram exatamente por se negarem a fornecer as informações que seus torturadores pretendiam extrair.
Vários depoimentos juntados ao processo na CEMDP terminaram por desmontar a farsa. Quando o preso político Rubens Manoel Lemos chegou às dependências do DOI-CODI de Recife em outubro de 1973, encontrou dois jovens com visíveis sinais de tortura. Um deles estava aparentemente morto. O outro, agonizante, ainda conseguiu balbuciar-lhe: “Companheiro, meu nome é Mata Machado. Sou dirigente nacional da AP. Estou morrendo. Se puder avise meus companheiros que eu não abri nada”. A morte de José Carlos foi presenciada também por duas estudantes – Fernanda Gomes de Matos e Melania Almeida Carvalho – igualmente detidas na ocasião.
Em depoimento formal prestado na Secretaria de Justiça de Pernambuco, Carlúcio Castanha, preso em 18/10/1973 em Recife e levado ao DOI-CODI, declarou ter presenciado a chegada de vários companheiros algemados e encapuzados, dentre esses Gildo Macedo e Mata Machado. Durante dias e noites, ouviu os gritos dos companheiros e sentiu forte cheiro de creolina misturado ao de vômito, fezes e sangue. Dias depois, os gritos se transformaram em gemidos e a seguir desapareceram junto com o cheiro.
A versão oficial terminou de ser derrubada quando o cunhado de Mata Machado e ex-membro da AP Gilberto Prata Soares relatou sua atividade como colaborador dos órgãos de segurança, entre 1973 e 1982. Ex-militante do POC que já tinha abandonado a militância política, foi preso em fevereiro de 1973 e fez um acordo com agentes do CIE, comprometendo-se a ajudar na localização de militantes da AP, a começar por cunhado, José Carlos Novaes da Mata Machado, casado com sua irmã Madalena. A partir de março de 1973, com a ajuda desse tipo de informante que o CIE convencionou chamar “cachorro”, os passos do casal e de outros militantes passaram a ser rastreados pelos órgãos de repressão. Em consequência, pessoas ligadas à APML começaram a ser presos como dominó.
Sabe-se que no dia 22/10/1973 Gildo foi preso com a esposa, Mariluce Moura, em Salvador. Mariluce foi também torturada, mas liberada algum tempo depois. O marido foi transferido para o DOI-CODI de Recife, onde morreu sob torturas. Mata Machado, pressentindo que o cerco se fechava, tinha viajado para São Paulo. Atendendo ao apelo de dois outros cunhados e de um amigo da família, concordou em se encontrar com eles para permanecer escondido na fazenda de um tio no interior de Minas. Por medida de segurança, o encontro foi combinado num posto de gasolina na saída da capital paulista. O grupo não tinha viajado mais do que alguns quilômetros quando foi interceptado por policiais à paisana, fortemente armados. Algemados e encapuzados, foram todos conduzidos para o DOI-CODI/SP, onde responderam a interrogatórios durante três dias. Mata Machado foi levado para Recife e os demais foram transferidos, no dia 21, para o 12° Regimento de lnfantaria, em Belo Horizonte, onde permaneceram incomunicáveis por mais algum tempo.
Em 1992, Gilberto Prata Soares decidiu reconhecer publicamente sua infiltração policial na AP, prestando depoimento na Câmara dos Deputados. Afirmou nessa oportunidade: “Saiu nos jornais que o José Carlos e o Gildo Lacerda tinham se matado num tiroteio no Recife, numa cobertura de ponto. Isso destoava completamente do que eu realmente sabia que tinha acontecido. (...)”.
Gildo e Mata Machado foram enterrados como indigentes num caixão de madeira sem tampa, com um fundo pouco espesso. A família Mata Machado conseguiu resgatar o corpo algumas semanas depois, mas a de Gildo não. Os processos de Gildo e José Carlos foram relatados juntos, sendo apreciados na primeira reunião da CEMDP. Segundo a relatora, que votou pelo deferimento dos dois pedidos, “ficou plenamente comprovado que Gildo Macedo Lacerda e José Carlos Novaes da Mata Machado foram presos e torturados até a morte pelos órgãos de segurança, sendo falsa a versão das mortes em tiroteio”.
Gildo Macedo Lacerda era filho de pequenos fazendeiros em Ituiutaba (MG) e se mudou com os pais e as duas irmãs para Uberaba em 1963, quando tinha 14 anos. Ali completou o curso ginasial no Colégio Triângulo. Em 1965, iniciou o curso médio no Colégio Dr. José Ferreira, da mesma cidade, tornando-se presidente do Grêmio Estudantil Machado de Assis. Participou também da União Estudantil Uberabense, integrava o Núcleo Artístico de Teatro Amador (NATA) e apresentou programas radiofônicos de cunho kardecista, membro que era da Mocidade Espírita Batuíra.
Quando se mudou para Belo Horizonte, no final de 1966, já vinha estabelecendo os primeiros contatos com a AP, datando também desse período o início de sua amizade e ligação política com Mata Machado. Na capital mineira, cursou o 3º Científico integrado ao pré-vestibular e ingressou em 1968 no curso de Economia da UFMG. Foi eleito delegado para o 30º Congresso da UNE, onde foi preso. Em 1969, foi escolhi-do vice-presidente da UNE. Gildo ascendeu na AP até integrar sua direção nacional em 1971, ano em que foi deslocado para Salvador (BA). Ali assumiu a responsabilidade de implantar o trabalho camponês da organização clandestina e se casou, em 1972, com Mariluce Moura, com quem teve a filha Tessa, que não chegou a conhecer porque a criança só nasceria em 1974. Seu corpo jamais foi devolvido à família. Hoje os estudantes da Universidade de Uberaba têm como entidade de representação o DCE Gildo Macedo Lacerda, nome que também foi conferido a uma avenida no bairro da Pampulha, em Belo Horizonte.
Brasil. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.Direito à verdade e à memória: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos. 1ª Edição.Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007.
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